Histórias de tatuagens do ultramar contadas em livro
1 de jul. de 2018, 22:27
— Ao online
Diana Gomes é body piercer há 18 anos. A vida uniu-a ao marido, José Carlos, tatuador há 21. Juntos, têm o "Poison tatoo" na Praia da Vitória, há 14 anos. As tatuagens são, no fundo, indissociáveis da vida pessoal e profissional do casal e, como tal, o olhar clínico sobre as tatuagens muitas vezes incompreendidas dos ex combatentes do ultramar permitiu ao casal começar a reunir histórias.Diana é, também, mulher de palavras e começou a escrever alguns textos sobre os "Amor de Mãe", tatuados nos braços destes homens. Para a recente tatuadora este registo é urgente de forma a preservar parte da nossa história: "surge na urgência de as poder “salvar”. Sempre que via uma tatuagem
antiga conseguia decifrar se era do ultramar ou não, achava-as lindas e
autênticas e muito específicas de uma época. Estas tatuagens fazem parte da nossa
história, com características muito próprias e despertavam-me curiosidade em
querer saber mais sobre elas. Esta
ideia já a tinha tido há muitos anos mas na realidade nunca a tinha contado (a
não ser ao José Carlos, o meu marido).
A urgência também dá-se ao tempo que ainda
nos resta, que na verdade já não é muito…. Os homens que as têm são senhores na
casa dos sessenta e alguns anos. Cada vez são mais raras e difíceis de as
encontrar. Quero preservá-las para o todo sempre.", disse Diana ao Açoriano Oriental.O processo de pesquisa e abordagem já dura há 3 anos. O trabalho está, agora no seu terminus: "A história de cada um deles vai ser contada, as fotografias vão ser vistas e as tatuagens que fizeram vão permanecer enquanto houver corpo. O livro que queremos mostrar é de gente que um dia foi à guerra e ficou tatuada, por dentro", adiantou a body piercer. O momento de decisão foi quando Rui Teixeira foi ao estúdio pedir que lhe tapassem as várias tatuagens que fez no ultramar. Diana achou-as tão perfeitas e identitárias que pediu para que Rui lhe contasse a história daqueles registos no corpo. O ex combatente acedeu à proposta e Diana precisava agora de um fotógrafo que soubesse contar as histórias através de imagens. Rui Caria, a viver há largos anos na Praia da Vitória aceitou o desafio. Diana "Sabia que mesmo
que os meus textos não fossem os mais bem escritos ( porque não tenho qualquer
formação na área, apenas um gosto desde da minha adolescência de escrever e recitar os meus poemas) as tatuagens do ultramar estariam salvas
através do seu talentoso trabalho fotográfico".
"Comecei a procurar senhores que tinham ido ao ultramar,
fui à junta de freguesia da Vila das Lajes para ver se conseguia nomes, depois
fui falando com pessoas conhecidas e amigas que se iam lembrando de familiares
que as tinham. Também fui a um encontro de homenagem aos ex-combatentes e tive
a oportunidade de conhecer alguns deles. Visitei o Museu Militar dos Açores, no
forte de São Brás na cidade de Ponta Delgada que tem uma sala dedicada ao
Ultramar, fui ver onde ficava o Quartel dos Arrifes e também fui ao local onde
se situou a Bateria também em Ponta
Delgada."
Para a tatuadora terceirense não há histórias mais ou menos importantes: "Na verdade são todas urgentes de registar,
porque cada uma possui histórias incríveis, relatos únicos. Não foi muito fácil encontrá-los. Abordei o assunto com
delicadeza e com algum cuidado, porque sabia que iria levá-los a memórias
intensas e na maioria dos casos menos boas. Pude ouvir histórias de verdadeiros heróis, aprendi imenso com as nossas conversas
fiquei deslumbrada com a forma como eles se lembravam como se tivesse sido
ontem dos números, dos nomes, das datas e de coisas que se passaram há mais de
quarenta anos."
A jovem considera que este livro poderá também ser importante para a comunidade de tatuadores: "acho preciso documentá-las
para podermos ver a sua evolução a nível estético e técnico."
As fotografias de Rui Caria acompanhadas pelos textos de Diana Gomes resultarão numa obra que os autores pretendem lançada até ao final do ano.