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História
Historiadores criticam tentativa de revisionismo da revolução dos Cravos
O livro Revolução ou Transição, História e Memória da Revolução dos Cravos critica a tentativa de revisionismo da história do 25 de Abril.

Autor: Lusa/AO Online

 

“Aquilo que nós discutimos é que o conceito de transição para a democracia é um conceito absolutamente errado. Quando há um processo revolucionário nós não sabemos se ele vai acabar na transição para a democracia ou em outra coisa qualquer e, portanto, os historiadores não têm de dar conceitos sobre o que vai acontecer, têm que analisar o que é que aconteceu” disse à Lusa a historiadora Raquel Varela, da Universidade Nova de Lisboa, que coordena as investigações publicadas no livro sobre a Revolução de 25 de Abril de 1974.

“O 25 de Abril é a antítese da estabilidade e da transição. É um Estado que entra em crise. Não há elites, vai-se buscar o MFA para se tentar recompôr o Estado. O que há é literalmente o poder na rua. Os governos e os partidos políticos, incluindo os partidos políticos de esquerda andam atrás do que se passa nas ruas. A dinâmica das greves, das manifestações, das comissões de trabalhadores, do controlo operário das empresas nacionalizadas. Sistematicamente os partidos andam atrás do que se passa nas ruas. É justamente a antítese daquilo que é um regime estável”, diz Raquel Varela.

Para a historiadora, o 25 de Abril faz parte da memória coletiva das pessoas, ao contrário do que acontece em Espanha onde o revisionismo sobre o franquismo é muito maior.

“Cá as pessoas têm uma memória muito bonita do 25 de Abril. É hoje em dia a maior festa popular que há em Portugal, a mais celebrada de Norte a Sul do país”, diz Raquel Varela sublinhando que a Revolução dos Cravos é completamente diferente da revolução republicana de 1910.

“A República tem alguma coisa de revolução burguesa, não é só uma revolução social. A República é um regime complexo que se apoia no movimento operário para derrubar a monarquia mas logo a seguir tenta decapitar o movimento operário. O 25 de Abril tem muito mais força social e, por isso, ninguém toca no 25 de Abril”, refere a historiadora.

O que é verdade é que a primeira grande derrota do 25 de Abril é o 25 de Novembro de 1975. Ou seja, atualmente, bocados de nós são 25 de Abril, bocados de nós são 25 de Novembro. A democracia representativa é um retrocesso face à democracia que existia durante a democracia de 74/75. Aquilo que se tem como balbúrdia e caos durante o PREC (Período Revolucionário em Curso) é desconhecer que sem forças repressivas, os trabalhadores lideravam nas fábricas e nas empresas – muitas em auto gestão – manifestações diárias sobre tudo e mais alguma coisa, a maior onda de greves de sempre em Portugal e quase não há mortos.

“O 25 de Abril tem como resultado uma contra revolução feita no dia 25 de Novembro que é uma contra revolução democrática. Ou seja, a instituição de um regime liberal, representativo é a forma de pôr fim à revolução. A contra revolução não é um Pinochet como dizia o PCP. Nós não temos um Pinochet em Portugal. Nós não temos uma contra revolução sangrenta, nós temos uma contra revolução democrática que, ao mesmo tempo, é um substancial avanço em relação ao regime que tínhamos anteriormente”, sublinha Raquel Varela.

O livro incluiu investigações de António Simões do Paço, Carla Luciana Silva, Constantino Piçarra, Dalila Cabrita Mateus, Fernando Rosas, Jorge Fontes, Luciano Soutelo, Luís Leiria, Raquel Varela, Ricardo Noronha e Valério Aracary.