“Há uma pressão tremenda para rever políticas e nós temos de nos bater pelos Açores”
Europeias2024
24 de mai. de 2024, 09:18
— Paulo Gouveia
André Rodrigues tem 47 anos, é deputado à Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS.
É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, e foi assessor do Presidente do Governo Regional, nos dois
mandatos de Vasco Cordeiro. Integra o Secretariado Regional do PS/Açores
e é secretário coordenador do PS/São Miguel. Foi eleito, em
fevereiro, deputado no parlamento açoriano pelo PS. E agora é candidato
às eleições para o Parlamento Europeu, apresentando-se em quinto lugar, o
que torna provável a sua eleição. O que o leva a abdicar do seu lugar
na assembleia regional e do compromisso assumido para com os eleitores
em fevereiro, para agora candidatar-se a eurodeputado?Desde logo o
desafio de continuar a servir os Açores e os açorianos, colmatando uma
circunstância que foi penalizadora para a Região. Por razões diferentes,
os Açores não tiveram uma representação no Parlamento Europeu nos
últimos cinco anos. No caso do Partido Socialista, por uma fatalidade,
um evento trágico que vitimou o meu camarada André Bradford, e no caso
do PSD, porque não deu importância ao representante dos Açores. Todos
nós nos lembramos da frase de Rui Rio, na altura líder do PSD, de que os
Açores só valiam 12 mil votos. No caso do PS nós temos uma visão
diferente: a visão de um Portugal inteiro que inclui todas as suas
regiões, e é por isso que o PS, como já o fez desde o início do século,
colocou o candidato do PS/Açores, num lugar teoricamente elegível (e
digo isto, porque apesar do PS ter a expectativa de eleger mais
deputados, há que aguardar pelo veredicto popular, porque ninguém está
eleito até às eleições acontecerem). De qualquer forma, a minha vontade
de dar o meu contributo e ser uma voz firme na defesa dos Açores em
Bruxelas foi a causa principal que me fez querer ser candidato, e
aceitar o desafio do PS/Açores de ser candidato ao PE.Com certeza que a expectativa era que Vasco Cordeiro fosse o candidato do PS/Açores...(...)
Entendeu, por razões da sua vida, que não queria ser candidato ao PE -
seria de facto o candidato natural. Eu próprio manifestei por diversas
vezes o meu entusiástico apoio à sua candidatura, mas ele entendeu não o
fazer. O PS/Açores não pode exigir mais ao Dr. Vasco Cordeiro, depois
de quase três décadas de serviço público ao serviço da nossa terra. E
por isso, por não ter sido candidato ao PE por opção sua, entendi
concorrer ao PE, sendo certo que concorro no quinto lugar, e ninguém tem
dúvidas de que, pelo percurso pela experiência, pelo currículo, se o
Dr. Vasco Cordeiro tivesse querido ser candidato ao PE na lista
nacional, os Açores estariam ainda mais bem representados atualmente do
que estão no quinto lugar.O que poderia ter sido feito no Parlamento Europeu nestes últimos cinco anos a favor dos Açores e que não foi feito?Ninguém
defende os Açores no PE tão bem como um açoriano, seja ele de coração
ou de opção. Eu penso que o André Bradford, pela sua enorme competência e
a sua experiência, era um ativo que os Açores tinham no Parlamento
Europeu, desde logo num conjunto de áreas que são fundamentais para a
nossa Região. É preciso fazer notar que do Parlamento Europeu emana
legislação que tem influência em 80% da legislação nacional e regional,
desde logo no setor primário, na agricultura, da Política Agrícola
Comum, das Pescas, mas também um conjunto de outras áreas na defesa do
Mar, da Sustentabilidade, num conjunto de áreas que os Açores podem
acrescentar à União Europeia. (...) Da introdução de uma pequena frase
num relatório pode resultar a salvaguarda e a defesa dos nossos setores
estratégicos. E sabemos bem que, no atual contexto político, numa Europa
que vive num contexto especialmente exigente e desafiante, com um
futuro incerto, em que há um conjunto de prioridades para os próximos
cinco anos do Parlamento Europeu que tornam o desafio de representar os
Açores e as RUP ainda maior. Mas é por isso que os Açores precisam de
uma voz firme e de uma voz que defenda os nossos interesses, e isso
será melhor garantido com a escolha da lista do PS.Concorda com a criação de um círculo eleitoral pelos Açores nas eleições ao PE?Tudo
o que possa garantir melhor representatividade dos Açores nos
principais fóruns de decisão política, obviamente que tem o meu apoio.
Agora, também reconheço a dificuldade, quer no plano nacional, quer no
plano político, de conseguirmos, num prazo razoável, chegar a esse
objetivo. (...) O círculo único para as regiões autónomas tem um
conjunto de dificuldades, mas o nosso percurso autonómico é feito de
vencer dificuldades e de ultrapassar obstáculos. Portanto, é um trabalho
que teremos de fazer, embora não seja fácil reunir esse consenso a
nível nacional, porque a lógica será sempre de lançar a debate a
discussão de não haver um círculo nacional, mas uma divisão pelo
território nacional. (...)Há aqui um outro aspeto: os partidos a
nível nacional e mesmo a nível regional têm mudado de candidatos de
eleição para eleição, e o trabalho na UE exige diplomacia e resulta
muito da influência que se tem. Considera que deveria haver um outro
compromisso no sentido de manter nas listas quem tem mais influência?Percebo
a pergunta. Acho que faz sentido. Agora é preciso ter presente que
(...) o PS tem um conjunto de quadros que fazem esse trabalho para além
dos eurodeputados, porque a delegação portuguesa é composta por um
quadro técnico muito competente. E a vida é dinâmica, o que era
realidade há cinco anos muito rapidamente se altera profundamente. (...)
Nos últimos cinco anos, fomos confrontados com uma pandemia, com
guerra, com uma crise inflacionista sem precedentes nas últimas décadas,
e tudo isso veio exigir do projeto europeu respostas diferentes,
medidas também elas em ritmos diferentes, o que faz com que a nossa
representação também tenha de se adaptar a estes novos tempos. (...)Como avalia a aplicação dos fundos europeus nos Açores? Têm sido direcionados para as coisas certas?Grosso
modo acho que a Região é um exemplo de boa execução dos fundos
comunitários (...). Dito isto, também há aspetos a melhorar. No PRR, na
formação e educação, os Açores estão um pouco aquém do que seria
desejável, e o esforço que temos de fazer agora é de recuperar esse
tempo, porque esta é uma oportunidade que não podemos desperdiçar. Uma
região ultraperiférica, com uma economia pequena, aberta como a dos
Açores, não se pode dar ao luxo de perder fundos que podem não se
repetir pela sua dimensão e importância no futuro próximo. Também é
preciso lembrar que os fundos comunitários têm servido objetivos de
convergência. E os Açores têm melhorado a sua qualidade de vida, mas é
preciso aumentar a nossa convergência face à média europeia. (...). Mas
não se pode olhar para UE como uma espécie de multibanco - não o é,
apesar do nosso orçamento corresponder em cerca de 1/3 a fundos
comunitários. Há muito mais para além dos fundos comunitários. A UE é
uma construção política sem precedentes na história humana, de defesa e
afirmação de valores do Estado de direito democrático e de preservação
do espaço da democracia - tudo isto também está em jogo nestes eleições.
(...)Estando no horizonte a entrada de mais países para a União
Europeia, considera que os Açores têm de se preparar para uma redução de
fundos comunitários? Há o risco de desaparecer o estatuto de RUP? Há
outras regiões que também têm reclamado estatutos diferenciados -
regiões de montanha, por exemplo, e nós temos de pugnar pelo estatuto de
RUP porque temos condições e características próprias, especificidades
próprias que têm de ser acauteladas, porque a participação neste projeto
comunitário, com as suas quatro liberdades, para além das liberdades
politicas e cívicas, a liberdade de circulação de bens, pessoas,
mercadorias e serviços, só se garante o acesso a este mercado único, se
tivermos em consideração o próprio princípio da igualdade. (...)O
alargamento representa de facto um desafio tremendo para os próximos
cinco anos. Não só o alargamento, mas também um outro pilar que está em
discussão no atual contexto comunitário que diz respeito ao pilar da
segurança e da defesa. A política de coesão que é o pilar mais
importante que a União tem para o investimento de longo prazo, no
sentido de garantir a redução de assimetrias, da valorização da coesão
social, territorial e económica, já tem vindo a ser ameaçada fruto
dessas mudanças geopolíticas (...). A partir de 2025, o Parlamento
Europeu e as instâncias comunitárias vão se preparar para negociações do
próximo quadro plurianual e é preciso dar resposta a esses desafios. Há
uma pressão tremenda para rever políticas que têm sido pilares da UE,
nomeadamente da Política de Coesão e a própria Política Agrícola Comum
(PAC). E nós temos de nos bater pelos interesses dos Açores e do nosso
próprio país, numa ótica de defesa da política de Coesão e da política
agrícola comum. (...)A agricultura é um setor estratégico para os Açores. Neste setor, a que é que é preciso dar prioridade no plano europeu?A
PAC está num momento de grande pressão. É pressionada por aqueles que
acham que a UEaloca um conjunto excessivo de recursos à PAC que
representa outro terço do orçamento comunitário e é pressionada pelos
principais destinatários que consideram que os recursos, face à mudança
do preço das matérias-primas e fatores que impedem sobre o setor
agrícola, e acham que estes recursos não são suficientes. É ainda
pressionada por negociações que a UE tem com outros Estados, nos acordos
comerciais que está a desenvolver. O que é necessário é continuar a
defender uma PAC robusta, que por um lado consiga garantir a melhoria do
rendimento ao agricultor e por outro lado consiga convergir na
transição verde que é necessário ter e que se faz com os produtores, e
não contra os produtores. (...)Outra questão é o POSEI que não é
revisto desde 2009. (...) Nós iremos não só defender a manutenção do
POSEI, como o seu reforço, porque é de absoluta justiça para com os
produtores. (...)Justifica-se a criação de um POSEI Transportes para as Regiões Ultraperiféricas, como os Açores?O
nome não é relevante. O que é relevante é a medida em si. No nosso
manifesto, defendemos a criação de uma alocação financeira que possa
apoiar o transporte marítimo de mercadorias, interilhas e dos Açores
para o continente e do continente para os Açores. É fundamental para
poder dar resposta aos constrangimentos que a nossa condição insular e
arquipelágica tem. Isso já acontece no transporte marítimo de
passageiros - já existe uma verba no âmbito das RUP para apoiar as
obrigações de serviço público e que anda à volta dos 76 milhões de
euros. Agora é preciso criar condições para que também no transporte de
mercadorias haja uma alocação financeira que apoie a Região nesse
domínio. (...)O que pensa sobre a criação de um exército comum ou a necessidade de mais investimento na Defesa no âmbito europeu?AUE
para se afirmar como um bloco capaz de competir, em todas as áreas, em
todas as frentes (...) Há necessidade de revermos alguns aspetos, e o
pilar da segurança e defesa é um deles, sem que implique necessariamente
a criação de um exército europeu. (...)O populismo vai-se reforçar nestas eleições?O
populismo tem sido uma forte ameaça às democracias. (...) Nestas
eleições europeias também está em causa a afirmação dos valores de paz,
solidariedade, liberdades políticas e cívicas, da tolerância pelo
outro. (...) A paz está ameaçada nas nossas fronteiras, mas também no
território interno. (...) É por isso que exorto os açorianos a
participarem nestas eleições, com um voto que garanta a presença dos
Açores e uma voz firme na defesa dos Açores na Europa.