Há mais de cem anos foi criado nos Açores sistema pioneiro de previsão de ondas
22 de out. de 2018, 08:43
— Lusa/AO Online
O
sistema de pré-aviso apareceu, pela primeira vez, em 1913, depois de
uma tempestade ter atingido Casablanca, em Marrocos, “de forma
inesperada”, provocando danos significativos: “destruiu uma grande parte
do porto, que ficou inoperativo durante muito tempo, e destruiu muitos
navios”.“Casablanca
e Rabat eram dois portos muito importantes porque eram a porta de saída
para os fosfatos, que ainda hoje são uma das principais exportações de
Marrocos”, explica, em declarações à Lusa, o oceanógrafo, professor no
Delft Institute, na Holanda.A
paralisação do porto levou as autoridades a criar ou idealizar um
sistema de previsão de ondas, já que em situações de bom tempo em
Marrocos nada faria prever estas tempestades com ondas alterosas. A
criação do sistema foi impulsionada pelo coronel da Marinha Portuguesa
Afonso Chaves, criador do serviço meteorológico dos Açores, um projeto
com repercussões internacionais, e pela Marinha Francesa, que tinha
interesse acrescido numa solução por Marrocos ser então um protetorado
francês.“Decidiram
criar este sistema de previsão de ondas baseado em observações porque,
na altura, a previsão da meteorologia e das ondas era completamente
diferente da que é feita hoje. Esse sistema era baseado em observações
que seriam colhidas ou por navios no meio do Atlântico, ou então - e
isso seria a situação ideal - por observações recolhidas nos Açores”,
refere Álvaro Semedo.No
meio do Atlântico, a região conseguia transmitir o resultado, via TSF
(telegrafia sem fios) ou por cabo submarino, e as informações eram
rapidamente distribuídas pelo mundo.“O
sistema era muito simples”, explica o cientista, acrescentando: “Como
as ondas se propagam ao longo de uma certa distância, e são provocadas
pelo vento, se uma tempestade passasse nos Açores seria expectável que
se propagasse ou desse origem a ondas que se propagassem até Marrocos.”Assim, uma tempestade de ondas nos Açores daria origem, dentro de um ou dois dias, a ondas na costa de Marrocos.“A
base do sistema era esta, era um sistema de pré-aviso”, refere o
especialista, sublinhando que a ideia inicial “foi melhorada, porque
rapidamente se começou a observar que um certo tipo de tempestades daria
origem a um certo tipo de ondas em Marrocos”.Verificou-se
que tanto a velocidade do vento como o trajeto das tempestades
permitiam organizá-las em grupos, ou seja, classificá-las. Seis
anos após ter começado a ser desenvolvido, o sistema ganhou
notoriedade, em 1919, altura em que o cientista Louis Gain publicou “La
prédiction des houles au Maroc” (“A previsão da ondulação em Marrocos”).
O estudo
explica como é que a informação recolhida permitia prever com dias de
antecedência o estado do mar, com base em dados recolhidos entre 1915 e
1918. Com a
Primeira Guerra Mundial (1914 -1918), o processo sofreu atrasos, mas foi
finalizado em 1922. E o que foi inicialmente criado com o intuito de
proteger os portos de Marrocos ganhou escala e foi aplicado noutros
sítios.Inicialmente
houve só o envolvimento dos serviços meteorológicos dos Açores (com
observações nos Capelinhos, no Faial, por exemplo), mas a relevância dos
dados recolhidos levou a que começassem a ser obtidas observações no
continente (no cabo Raso ou da Roca, entre outros). Eram normalmente
feitas por faroleiros.Em
fevereiro de 2019, assinalam-se os cem anos da publicação de Louis Gain
nos Anais Hidrográficos franceses, um trabalho basilar para a ciência
da previsão de ondas e o primeiro a reconhecer a importância das
observações nos Açores para a costa ocidental europeia e o noroeste de
África.