Governos ocidentais mantêm apoio a Kiev mas população distancia-se
Ucrânia
22 de ago. de 2022, 08:51
— Lusa/AO Online
“O Ocidente tem apoiado, e bem, a Ucrânia e
penso que vai continuar a apoiá-la politicamente e militarmente”,
declarou Francisco Proença Garcia, professor do Instituto de Estudos
Políticos da Universidade Católica.“Os
ucranianos estão a lutar e a defender os nossos valores e a identidade
europeia. Isso é muito importante e devemos lembrar isso às nossas
populações. Só resta saber se as nossas populações serão resilientes o
suficiente para aguentar uma guerra prolongada”, sublinhou Proença
Garcia.De acordo com o professor da
Universidade Católica, “as nossas sociedades têm de se manter coesas e
pensar que serão necessários sacrifícios. Custa-nos a todos, mas temos
de fazê-los porque é a nossa liberdade, o nosso sistema democrático,
nosso sistema de crenças e de vida que estão em causa”.“Com
o problema das sanções [à Rússia], as nossas populações - nomeadamente
em países mais pequenos, como é o caso de Portugal – ao ver o preço da
energia a subir, dizem: ‘Ucrânia é tão longe’...”, avaliou o professor
da Universidade Católica.“Ainda estamos a
falar do conflito da Ucrânia nos noticiários, mas penso que o problema
da guerra já não é prioridade para as populações, infelizmente”, referiu
Proença Garcia.A ofensiva militar lançada
a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 12
milhões de pessoas de suas casas – mais de seis milhões de deslocados
internos e mais de seis milhões para os países vizinhos -, de acordo com
os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados
como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).A
invasão russa – justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a
necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança
da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade
internacional, que está a responder com envio de armamento para a
Ucrânia e imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos
os setores, da banca à energia e ao desporto.Madalena
Resende, professora da professora da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, observa que, “apesar de no
início estarem cautelosos com o perigo da escalada da tensão com a
Rússia, os Estados Unidos têm vindo a aumentar a sua ajuda militar à
Ucrânia, nomeadamente com os Himars [sistemas de lança-foguetes móveis],
e agora estão a considerar também o fornecimento de aviões às forças
aéreas ucranianas. Isto demonstra um apoio mais aberto dos Estados
Unidos”.“A Europa está unida com os
Estados Unidos, nomeadamente no âmbito da NATO, onde há um consenso
muito grande dos países ocidentais em relação à guerra. No que toca a
ajuda militar, tem sido menos aberto e menos bem-sucedida em relação aos
Estados Unidos, apesar dos progressos por parte da Alemanha, que também
já enviou mais ajuda militar”, afirmou Madalena Resende.A
professora avaliou que "tem havido cautela e, por vezes, ambiguidade,
mas no conjunto, penso que a aliança ocidental tem-se mantido forte na
resistência à invasão russa na Ucrânia".Segundo
Madalena Resende, “este inverno vai ser particularmente complexo para
os governos ocidentais, nomeadamente da Europa ocidental. Entretanto,
penso que esta transição para terminar com a dependência do fornecimento
do petróleo e gás russo está consolidada e não vai voltar atrás”. Pedro
Ponte e Sousa, investigador do Instituto Português de Relações
Internacionais (IPRI), disse à Lusa que se assiste “a uma inversão do
'investimento' dos diferentes atores na guerra". "Se
a opinião pública foi muito vocal e ativa nos primeiros meses,
pressionando os governos a agir, o que vemos cada vez mais é o inverso.
Ou seja, os governos a propor medidas de apoio à Ucrânia ou de sanção à
Rússia, enquanto os europeus estão cada vez mais preocupados com os
impactos económicos da guerra”, adiantou.“Veremos
se os governos continuarão a agir minimizando as [alterações de]
vontades dos eleitores, ou se mudarão de políticas”, avaliou Ponte e
Sousa, também professor de Relações Internacionais na Universidade
Portucalense.“A estratégia dos Estados
Unidos passa pelo arrastar do conflito, tentando prejudicar a Rússia o
mais possível (…). Para a opinião pública americana, a guerra já não
existe, é um tema menor. Isso ajuda a um apoio militar bi-partidário
(diríamos, apartidário) à Ucrânia, mas as consequências económicas da
guerra são mais visíveis, e é provável que a questão da Rússia e da
China entre nas próximas eleições norte-americanas”, referiu Ponte e
Sousa.Para o professor da Universidade
Portucalense, “a evolução da situação na Ucrânia e em Taiwan cada vez
mais empurra a Rússia e a China para os braços uma da outra, e estas
para o fortalecimento de relações económicas e políticas com o mundo
não-ocidental”. “Isso levará a China a uma
posição mais vocal, mas sem intervir. A China não deverá intervir nas
tentativas de resolução do conflito a não ser que tal seja inevitável,
que todos os outros atores tenham falhado”, sublinhou ainda Ponte e
Sousa."A guerra [na Ucrânia], para ser solucionada, vai ter que envolver sempre as grandes potências", referiu Proença e Garcia. "A
China, não sei se irá mediar, mais vai ter um papel importante, para já
porque pertence ao Conselho de Segurança da ONU, e porque não lhe
interessa a guerra, visto que afeta significativamente os mercados
mundiais. E também está a ser uma lição aprendida, em como reagir se
acontecer uma coisa semelhante em Taiwan", acrescentou o professor da
Universidade Católica.