Governo tem permitido “escravização dos trabalhadores migrantes"
4 de mai. de 2021, 14:14
— Lusa/AO Online
Em
declarações à agência Lusa, o presidente do Sindicato da Carreira de
Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(SCIF/SEF), Acácio Pereira, afirmou que a questão dos trabalhadores das
explorações agrícolas no Alentejo tinha sido levantada num congresso que
esta estrutura organizou em 2018.Acácio
Pereira disse que, além do sindicato ter denunciado as situações de
exploração, o próprio SEF reportou no Relatório Anual de Segurança
Interna (RASI) a existência de casos de tráfico de seres humanos e
crimes conexos ligados à questão dos migrantes em Portugal.“O
Governo tem andado a dormir e mais concretamente o senhor ministro da
Administração Interna fazendo de conta que a situação não existe,
permitindo que as empresas escravizem os trabalhadores, porque é de
escravização que estamos a falar, permitido que esse trabalho entre na
economia e que essa miséria humana continue a existir”, criticou o
presidente do sindicato.Acácio Pereira
disse que o sindicato que representa os inspetores do SEF “não aceita
que o Governo diga que não sabe” porque essa situação foi denunciado e
está relatada no RASI.“A própria segurança
social tem registo das entradas das contribuições, as próprias
entidades ligadas à constituição de empresas têm noção do número de
empregados e de empresas que são criadas e depois extintas. Há todo um
conjunto de situações que o Governo não se pode alienar”, sublinhou. O presidente do sindicato acrescentou que esta situação “só veio à ribalta por questões de saúde e era impossível escondê-la”.“As
empresas têm vivido em completa roda-livre, tirando um lucro
desmesurado”, disse, perguntando às pessoas se “quando vão ao
supermercado têm consciência de que aquelas embalagens bonitas têm por
detrás a miséria humana e o aproveitamento do trabalho escravo”. Para o presidente do SCIF/SEF, o Governo “não age, reage”. O
sindicato que representa os inspetores deste serviço de segurança
considera que Portugal deve “ser um país humanista, acolhedor”, mas
também deve dar as condições para “não escravizar as pessoas”.“O
Governo tem permitido essa escravização dos trabalhadores migrantes”,
salientou, considerando que se trata de casos de “escravatura da era
moderna”, que passa em pôr as pessoas a trabalhar, dando-lhe um
pagamento baixo, tendo em conta que são pagos a preços dos países de
origem, e vivem em condições sub-humanas ao dividirem “10, 20, 30, 40 a
mesma casa”.Segundo o sindicato, este
problema passa-se um pouco por todo o país, sendo mais visível nesta
altura do ano em Odemira, mas acontece também durante a apanha da
cereja, na beira interior, na época das vindimas, no Douro, e das
castanhas, em Trás-os-Montes.Duas
freguesias do concelho de Odemira (São Teotónio e Longueira/ Almograve)
estão em cerca sanitária por causa da elevada incidência de covid-19
entre os imigrantes que trabalham na agricultura e que vivem em
condições precárias.Na segunda-feira,
fonte da Procuradoria-Geral da República avançou à Lusa que Ministério
Público de Odemira tem em curso 11 inquéritos sobre auxílio à imigração
ilegal para efeitos de exploração laboral.Também
o SEF revelou à Lusa que tem a decorrer 32 inquéritos em diversas
comarcas do Alentejo, seis dos quais em Odemira, pelos crimes de tráfico
de pessoas, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão-de-obra
ilegal.Numa informação enviada à agência
Lusa, o SEF sublinha que tem vindo "a acompanhar de perto a permanência e
a atividade de estrangeiros no Alentejo, em especial os que trabalham
nas explorações agrícolas intensivas".O
RASI de 2020 refere que “a exploração laboral continuou a ser um
fenómeno presente em Portugal” e que trabalhadores, maioritariamente da
Roménia, Moldávia, Paquistão, Nepal e Índia, foram recrutados para o
trabalho em campanhas sazonais, como a apanha da azeitona, castanha,
frutos ou produtos hortícolas, sendo transportados para as explorações
onde passam a trabalhar e residir”. “A
extensão geográfica dos locais onde são colocados a trabalhar,
geralmente situados no interior do Alentejo ou na zona oeste do país,
dificultam a atuação das entidades de fiscalização”, sustenta o RASI do
ano passado.