Governo espanhol admite Juan Carlos I em celebrações de 50 anos da democracia
8 de jan. de 2025, 17:09
— Lusa/AO Online
O antigo chefe
de Estado, um dos protagonistas do período da transição espanhola da
ditadura para a democracia, após a morte do ditador Francisco Franco, em
1975, abdicou em 2014 e vive fora do país desde 2020, na sequência de
escândalos de corrupção e comportamentos considerados desrespeitosos das
instituições nacionais.Desde então, a
presença de Juan Carlos I em Espanha tem ocorrido sempre a título
privado, sem qualquer reconhecimento institucional, e com a Presidência
do Governo, os dois grandes partidos espanhóis (socialistas e populares)
e a própria Casa Real, agora liderada por Felipe VI, a evitarem
declarações sobre o rei emérito.Apesar de o
antigo monarca de 87 anos ter visto serem entretanto encerradas as
investigações judiciais de que era alvo, as revelações sobre a origem
duvidosa da sua fortuna minaram a imagem de uma personalidade que
durante décadas foi muito respeitada e de grande popularidade, atendendo
ao papel que se lhe reconhece durante a transição democrática.A
possibilidade de estar presente nas celebrações previstas para este ano
tornou-se assim numa incógnita e num das grandes curiosidades
suscitadas pela imprensa nos últimos dias.Questionado
sobre essa possibilidade de forma insistente numa conferência de
imprensa na terça-feira, o ministro da Memória Histórica, Ángel Victor
Torres, acabou por admitir a presença de Juan Carlos I em atos
institucionais em Espanha em 2025 dentro das celebrações dos 50 anos da
democracia, embora sem nunca referir diretamente o antigo monarca e
remetendo a decisão para a Casa Real."O
gabinete da Presidência do Governo está em contacto permanente com a
Casa Real. (...) Aquilo que fizermos será acordado", respondeu.Ángel
Victor Torres sublinhou que "o papel da Casa Real foi fundamental" nos
"primeiros anos" da transição para a democracia, considerando que "por
sorte" houve uma "aposta clara pela monarquia constitucional" e não
ficou "tudo atado e bem atado" como pretendia o ditador Francisco
Franco, por vontade de quem Juan Carlos I herdou todos os seus poderes
em 1975.Do programa hoje divulgado, com
mais de uma centena de iniciativas até dezembro, consta um evento,
previsto para 22 de novembro, com o título "A monarquia e a democracia",
sem que haja mais detalhes.Segundo o
Governo espanhol, o Rei Felipe VI liderará ainda delegações que
visitarão os antigos campos de concentração nazis de Auschwitz e
Mauthausen, em que morreram exilados espanhóis.As
celebrações da "Espanha em Liberdade" arrancaram hoje, com uma
cerimónia no Museu Nacional de Arte Contemporânea Rainha Sofia, em
Madrid.Foi a primeira de uma centena de
iniciativas com que o Governo espanhol pretende, ao longo de 2025,
celebrar os 50 anos da "Espanha em Liberdade", usando como pretexto a
morte do general e ditador Francisco Franco, em novembro de 1975.Estas
celebrações foram anunciadas no mês passado pelo primeiro-ministro, o
socialista Pedro Sánchez, e a escolha da morte de Franco como pretexto
gerou críticas por parte de diversos setores, com os partidos de direita
nacionais à cabeça.O Partido Popular (PP,
a maior força política no parlamento) demarcou-se das celebrações e
acusou Sánchez de "desenterrar Franco" num momento de "desespero e
decadência" da governação e de "agir como nostálgico do confronto entre
espanhóis".O PP questionou que o pretexto
para celebrar a democracia seja a morte do ditador, dando-lhe
protagonismo, e não as primeiras eleições, em 1977, ou a aprovação da
Constituição de 1978, que instituiu o regime atual e é já assinalada em
Espanha com um feriado nacional."Todos os
países próximos comemoraram o aniversário das suas democracias e usando o
mesmo marco, o início do fim das suas ditaduras, o início do processo
democratizador", disse hoje Pedro Sánchez, repetindo o argumento que o
Governo tem usado nas últimas semanas, com referências a casos como o de
Portugal, em que se celebra a revolução do 25 de abril de 1974, mesmo
que a democracia em Portugal não tenha ficado assegurada nesse dia.O
debate aberto nas últimas semanas voltou a tornar pública a divisão que
existe no país em relação à memória história do século XX,
nomeadamente, a guerra civil (1936-1939), a ditadura franquista que se
seguiu e a designada transição para a democracia.