Governo dos Açores violou Constituição ao impor quarentena obrigatória
Covid-19
5 de ago. de 2020, 09:44
— Lusa/AO Online
A decisão, que é noticiada esta quarta-feira pelo jornal
Público e pode ser consultada na página do TC, surge na sequência de um
recurso interposto pelo Ministério Público (MP) a uma decisão tomada
pelo Tribunal Judicial de Ponta Delgada de libertar um homem que se
queixou da quarentena de 14 dias imposta pelo governo açoriano.Depois
da decisão do tribunal de primeira instância, o MP recorreu para o TC,
mas os juízes do Palácio Raton consideram, na decisão datada de 31 de
julho, que “todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou
garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República”,
exigência que “ganha particular relevância quando estão em causa
compressões ou condicionamentos a um direito”.Dizem
ainda que “[…] a distinção entre privação total da liberdade
(nomeadamente a prisão, que aliás pode revestir diversos graus de
intensidade de confinamento) e a privação parcial (por exemplo, a
proibição de entrada em determinados locais, proibição de residência em
determinada localidade ou região) só tem relevo constitucional na medida
em que a diferente gravidade de uma e outra deve ser tomada em conta na
sua justificação sob o ponto de vista do princípio da
proporcionalidade”.Desde o dia 26 de março
que todos os passageiros que chegavam aos Açores eram obrigados a ficar
14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo
açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da
covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos
passageiros não residentes no arquipélago a partir de 08 de maio.Na
sequência da decisão do tribunal judicial de libertar o queixoso, o
presidente do Governo dos Açores anunciou que, a partir do dia 17 de
maio, os passageiros que chegassem à região passavam a poder escolher
entre quatro opções: viajar já com um teste negativo feito previamente à
partida; submeter-se a um teste no momento da chegada e aguardar pelo
resultado; cumprir um período de quarentena voluntária de 14 dias num
hotel determinado, com os custos suportados pela região, ou regressar ao
destino de origem.O queixoso, um piloto
aviador que presta serviço numa companhia aérea estrangeira, tem casa de
família em São Miguel, onde reside a mulher, tinha regressado a Portugal
a 08 de maio, permanecendo em Lisboa até ao dia 10 de maio, pois só
nessa altura houve voo para São Miguel.Disse
ter aterrado em Ponta Delgada no dia 10 de maio e explicou que, durante
o voo, lhe foi entregue pelo pessoal de cabine um questionário, que
presume fosse emitido pela autoridade de saúde regional, contendo
questões sobre o local de onde provinha, se tinha determinados sintomas,
quais os seus contactos, questionário que preencheu.Segundo
explica a decisão do TC, na mesma ocasião, foi-lhe entregue uma
declaração parcialmente preenchida, que devia completar com a sua
identificação e assinatura, declarando que o incumprimento de quarentena
o fazia incorrer em crime de desobediência, declaração que não
subscreveu por não concordar.Acabou, ainda
assim, por ser transportado num autocarro, escoltado por um carro
policial, para um hotel de Ponta Delgada, sendo informado de que não
podia sair do quarto, onde teria de permanecer durante os próximos 14
dias, apesar de o teste que fez à covid-19 ser negativo.Alegando
“privação ilegal de liberdade”, avançou com um pedido de libertação
imediata ('habeas corpus') contra a imposição do Governo dos Açores. O
Tribunal Judicial de Ponta Delgada acabou por lhe dar razão e ordenou a
sua libertação, mas o MP recorreu para o TC, que vem agora dizer que a
medida da quarentena obrigatória imposta pelo Governo dos Açores viola a
constituição.