Governo dos Açores não pode decretar privação da liberdade individual
16 de mai. de 2020, 16:51
— LUSA/AO online
“A restrição desse ou outros direitos
fundamentais é matéria da competência de dois órgãos de soberania, a
Assembleia da República ou do Governo da República, e este se autorizado
por aquela, quedando assim fora do âmbito de competências dos órgãos
próprios das Regiões Autónomas, o que implica inconstitucionalidade
orgânica dos normativos que a autorizam”, declara a instância judicial
em comunicado.O Tribunal de Ponta Delgada
deferiu hoje um pedido de libertação imediata ('habeas corpus') feito
por um queixoso, contra a imposição de quarentena em hotéis por parte do
Governo dos Açores. Em causa está uma
iniciativa de um queixoso que foi colocado em quarentena obrigatória
numa unidade hoteleira em Ponta Delgada e avançou com um 'habeas
corpus', que foi entregue à juíza de instrução criminal do Tribunal de
Ponta Delgada que, por seu turno, desencadeou os mecanismos legais.Desde
o dia 26 de março que todos os passageiros que chegam aos Açores são
obrigados a ficar 14 dias em confinamento numa unidade hoteleira
indicada pelo executivo açoriano, como medida restritiva para travar a
evolução da pandemia da covid-19, tendo as despesas com o alojamento
passado a ser pagas pelos passageiros não residentes no arquipélago
desde 08 de maio.A juíza de instrução
criminal de Ponta Delgada, citada na nota de imprensa, considera que a
situação em causa “era de privação da liberdade, entre outras razões,
por nela não concorrer o consentimento do visado, decorrer em local
confinado e sob vigilância policial”.Acresce
que este ocorre “fora de estado de emergência, não tem título no artigo
27.º/1/3” da Constituição da República, o que “implica
inconstitucionalidade material dos normativos que a autorizam”.Mesmo
que não se verificasse uma “inconstitucionalidade orgânica”, a juíza
entende que, estando declarada a calamidade pública em todo o território
nacional, “qualquer cidadão nacional pode livremente desembarcar” em
qualquer aeroporto do continente e da Região Autónoma dos Açores.Acresce
que os residentes “não custeiam, mas os não residentes custeiam, o
confinamento compulsivo”, o que “viola o princípio da igualdade”.De
acordo com a juíza de instrução criminal de Ponta Delgada, o
“confinamento compulsivo de pessoa sem estar infetada, e sobre o qual
não recaia fundada suspeita de infeção”, agravado da “ausência da
possibilidade de fazê-lo no domicílio”, tendo ainda em conta que
“pessoas positivamente infetadas fazem aí o seu tratamento, viola os
princípios da proporcionalidade".A Ryanair
e a SATA não estão a operar entre o continente e a região, mas a TAP
continua a ter ligações, embora em menor quantidade que o habitual,
entre Lisboa e Ponta Delgada e Lisboa e a ilha Terceira.Até
ao momento, já foram detetados nos Açores 145 casos de infeção,
verificando-se 105 recuperados, 16 óbitos e 24 casos positivos ativos
para infeção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, que causa a doença
covid-19, dos quais 16 em São Miguel, dois na Graciosa, um em São Jorge,
três no Pico e dois no Faial.Portugal
regista hoje 1.203 mortes relacionadas com a covid-19, mais 13 do que na
sexta-feira, e 28.810 infetados, mais 227, segundo o boletim
epidemiológico divulgado hoje pela Direção Geral da Saúde.