Governo dos Açores diz que quadro legal "precisa de ser aperfeiçoado"
Covid-19
5 de ago. de 2020, 10:56
— Lusa/AO Online
Falando em Ponta Delgada, e comentando a
decisão do Tribunal Constitucional (TC) que decidiu que as autoridades
açorianas violaram a constituição ao impor a quem chegasse à região uma
quarentena obrigatória de 14 dias por causa da pandemia de covid-19, o
governante defendeu que tal "vem evidenciar é que o quadro legal que
existe para lidar com uma situação absolutamente inesperada (...)
precisa de ser aperfeiçoado"."O que me
parece evidente é que o quadro legal talvez necessite de ser
aperfeiçoado", uma questão que não diz respeito somente aos Açores,
prosseguiu Vasco Cordeiro.A decisão do TC
surge na sequência de um recurso interposto pelo Ministério Público (MP)
a uma decisão tomada pelo Tribunal Judicial de Ponta Delgada de
libertar um homem que se queixou da quarentena de 14 dias imposta pelo
Governo açoriano."Assim que foi conhecida a
decisão" do tribunal açoriano, o executivo regional "revogou a
resolução que mereceu esse juízo", lembrou Vasco Cordeiro.No
que se refere a outros casos de quarentenas existentes, nomeadamente
referentes a contactos próximos com casos positivos de covid-19, o
governante lembra que estas "não derivam de uma decisão do Governo
Regional, mas são aquelas que correspondem quer às orientações e normas
da Direção-Geral da Saúde" e a recomendações de entidades como o Centro
Europeu de Controlo de Doenças e à Organização Mundial da Saúde.Depois
da decisão do tribunal de primeira instância, o MP recorreu para o TC,
mas os juízes do Palácio Ratton consideram, na decisão datada de 31 de
julho, que “todas as normas disciplinadoras de um direito, liberdade ou
garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República”,
exigência que “ganha particular relevância quando estão em causa
compressões ou condicionamentos a um direito”.Dizem
ainda que “[…] a distinção entre privação total da liberdade
(nomeadamente a prisão, que aliás pode revestir diversos graus de
intensidade de confinamento) e a privação parcial (por exemplo, a
proibição de entrada em determinados locais, proibição de residência em
determinada localidade ou região) só tem relevo constitucional na medida
em que a diferente gravidade de uma e outra deve ser tomada em conta na
sua justificação sob o ponto de vista do princípio da
proporcionalidade”.Desde o dia 26 de março
que todos os passageiros que chegavam aos Açores eram obrigados a ficar
14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo
açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da
covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos
passageiros não residentes no arquipélago a partir de 08 de maio.Na
sequência da decisão do tribunal judicial de libertar o queixoso, o
presidente do Governo dos Açores anunciou que, a partir do dia 17 de
maio, os passageiros que chegassem à região passavam a poder escolher
entre quatro opções: viajar já com um teste negativo feito previamente à
partida; submeter-se a um teste no momento da chegada e aguardar pelo
resultado; cumprir um período de quarentena voluntária de 14 dias num
hotel determinado, com os custos suportados pela região, ou regressar ao
destino de origem.O queixoso, um piloto
aviador que presta serviço numa companhia aérea estrangeira, tem casa de
família em S. Miguel, onde reside a mulher, tinha regressado a Portugal
a 08 de maio, permanecendo em Lisboa até ao dia 10 de maio, pois só
nessa altura houve voo para S. Miguel.Disse
ter aterrado em Ponta Delgada no dia 10 de maio e explicou que, durante
o voo, lhe foi entregue pelo pessoal de cabine um questionário, que
presume fosse emitido pela autoridade de saúde regional, contendo
questões sobre o local de onde provinha, se tinha determinados sintomas,
quais os seus contactos, questionário que preencheu.Segundo
explica a decisão do TC, na mesma ocasião, foi-lhe entregue uma
declaração parcialmente preenchida, que devia completar com a sua
identificação e assinatura, declarando que o incumprimento de quarentena
o fazia incorrer em crime de desobediência, declaração que não
subscreveu por não concordar.Acabou, ainda
assim, por ser transportado num autocarro, escoltado por um carro
policial, para um hotel de Ponta Delgada, sendo informado de que não
podia sair do quarto, onde teria de permanecer durante os próximos 14
dias, apesar de o teste que fez à covid-19 ser negativo.Alegando
“privação ilegal de liberdade”, avançou com um pedido de libertação
imediata ('habeas corpus') contra a imposição do Governo dos Açores. O
Tribunal Judicial de Ponta Delgada acabou por lhe dar razão e ordenou a
sua libertação, mas o MP recorreu para o TC, que vem agora dizer que a
medida da quarentena obrigatória imposta pelo Governo dos Açores viola a
constituição.