Governo critica decisão "centralista" do TC sobre gestão partilhada do mar
14 de jul. de 2022, 19:40
— Lusa/AO online
"É
uma atitude centralista. O facto é que a Constituição diz o que TC diz
que ela diz. Mas conforta-nos saber, por exemplo, que alguns juízes
votaram contra esse acordo, interpretando mesmo os atuais padrões
constitucionais em vigor relativamente ao mar, favorável às nossas
teses", afirmou José Manuel Bolieiro aos jornalistas à margem de uma
cerimónia consular que decorreu em Ponta Delgada.O
TC declarou inconstitucionais duas normas da designada Lei do Mar,
aprovada em 2020, que advoga a gestão partilhada do espaço marítimo
entre a República e as regiões autónomas.Bolieiro
defendeu a “importância de uma cogestão do mar” entre as regiões
autónomas e a República nas “componentes ambientais e económicas do
mar”, admitindo, contudo, que as “questões relativas à soberania de
fronteiras são do Estado”.“[A cogestão do
mar] é uma convicção indeclinável por parte dos Açores e vamos manter a
insistência nesse reconhecimento, quer no quadro da lei, quer
eventualmente no quadro de uma futura revisão da Constituição”, afirmou.Num
comunicado e acórdão divulgados hoje, relativos a uma sessão plenária
de quarta-feira, o TC considera que a gestão do espaço marítimo nacional
é da "exclusiva competência" do Estado, não podendo essa gestão estar
dependente da posição das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.As
alterações à Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do
Espaço Marítimo Nacional foram aprovadas pelo parlamento nacional em 02
de outubro de 2020 e, após promulgação pelo Presidente da República,
foram publicada em Diário da República no dia 11 de janeiro de 2021.Respondendo
a um pedido de fiscalização sucessiva por um grupo de deputados à
Assembleia da República, o plenário dos juízes do palácio Ratton travou a
continuação em vigor da lei, alegando que um dos seus artigos "viola a
proibição constitucional de as regiões autónomas legislarem sobre
matérias reservadas aos órgãos de soberania".Em
causa está o facto de a lei reenviar para decreto legislativo regional
"o desenvolvimento de vários dos seus artigos, sinalizando que estes
contêm somente as bases gerais de diferentes aspetos do regime do
domínio público marítimo"."No que ao
regime dos bens do domínio público diz respeito, a reserva de
competência legislativa da Assembleia da República é total, não se
podendo esta limitar a definir as bases gerais de tal regime, antes
devendo fixar todo o conteúdo primário do mesmo", refere o TC na
justificação da sua decisão de quarta-feira.Argumentam
ainda os juízes conselheiros que "o condicionamento introduzido por via
da vinculatividade do parecer obrigatório a emitir pelas regiões
autónomas retira a exclusividade da competência para exercer os poderes
dominiais resultantes da soberania e jurisdição que detém sobre a zona
da plataforma continental em causa, designadamente no que se refere à
atividade ordenadora inerente ao planeamento de tal espaço marítimo"."Ora,
o exercício desses poderes não é transferível para outras entidades,
sob pena de comprometer o estatuto jurídico de dominialidade (artigo
84.º, n.º 2, da CRP) e a integridade e soberania do Estado (artigo
225.º, n.º 3, da CRP)", conclui o TC.A
alteração das bases de política de ordenamento e de gestão do Espaço
Marítimo Nacional visou integrar, entre outros aspetos, as ações
promovidas pelas regiões autónomas.Após a
aprovação, em janeiro de 2021, um grupo de deputados do PS, PSD e PCP
juntaram-se para requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização
sucessiva abstrata da constitucionalidade da nova lei do mar,
considerando estar em causa a integridade da soberania do Estado.Este
conjunto de deputados, encabeçado pela então deputada socialista e
ex-ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, considerou ainda que a nova lei
comprometia "a unidade e coerência da administração num quadro de
adequado relacionamento no exercício de funções conjuntas ou partilhadas
entre o Estado e as regiões autónomas".