Glória e decadência do pé esquerdo mais genial da história
Óbito/Maradona
25 de nov. de 2020, 18:28
— Lusa/AO Online
Pouco mais de um mês
depois de completar seis décadas, em 30 de outubro, Maradona morreu hoje
na sua residência, na Argentina, anunciou o seu advogado e amigo,
Matías Morla, segundo a agência espanhola EFE.De
acordo com a imprensa argentina, Maradona, que treinava os argentinos
do Gimnasia de la Plata, sofreu uma paragem cardíaca na sua vivenda na
província de Buenos Aires.No início deste
mês, o antigo futebolista deu entrada num hospital de Buenos Aires,
anémico, desidratado e deprimido, e acabou por ser operado, com sucesso,
a um hematoma subdural, que tinha sido detetado durante um 'check-up'.A
vida desportiva daquele a quem “os argentinos tudo perdoam”, nascido a
30 de outubro de 1960 num bairro pobre dos subúrbios de Buenos Aires
chamado Villa Fiorito, iniciou-se aos nove anos, no Cebollitas, e
prosseguiu aos 15 no Argentino Juniores.Quatro
anos passados, e já como campeão mundial de sub-20, título que
conquistou no Japão, onde foi eleito o melhor da competição, Maradona
juntou-se ao Boca Juniores, clube com o qual conquistou o seu primeiro
cetro de campeão, em 1981.Um ano depois, e
após participação na primeira de quatro fases finais de um Mundial
(Espanha1982), o jogador transferiu-se para o FC Barcelona, clube onde
apenas venceu uma Taça do Rei, frente ao eterno rival, o Real Madrid.Espanha
marcou também a lesão mais grave na carreira do argentino. Uma fratura
do tornozelo esquerdo, provocada pelo defesa Andoni Goikoetxea, do
Atlético de Bilbau. Corria o ano de 1983 e a lesão afastou-o dos
relvados durante mais de três meses.Esta
primeira etapa espanhola ficou também assinalada por uma hepatite, logo
no ano da chegada à Catalunha, doença que o impediu de jogar por três
meses.Se a isso se juntar a expulsão no
Brasil-Argentina, no Mundial82, a passagem pelos estádios espanhóis
ficou aquém daquilo que se esperava da ‘estrela' argentina, que, em
1984, começou a ‘palmilhar' a ascensão ao topo do futebol mundial, ao
assinar pelo Nápoles, clube que nunca tinha sido campeão em Itália. A
sua apresentação no San Paolo é lendária.A
chegada de ‘El Pibe' catapultou os napolitanos para patamares nunca
vistos e, depois de nas duas primeiras temporadas terem ficado em
‘branco', finalmente arrecadaram o ‘scudetto', em 1987, interrompendo o
domínio dos clubes do norte de Itália.Maradona
voltaria a erguer o título de campeão transalpino em 1990, sendo que,
pelo meio, arrecadou ainda uma Taça UEFA (1989), uma Taça de Itália
(1987) e uma Supertaça italiana (1991), emergindo como um verdadeiro
herói para o povo napolitano, que ainda hoje o venera acima de qualquer
outro.Antes da glória napolitana, já
Maradona conseguira a maior proeza da carreira, ao carregar a seleção
argentina até ao segundo título mundial (depois do Argentina1978),
selado com um triunfo por 3-2 sobre a RFA na final do México1986.A
imagem de Maradona em ombros, com a taça de campeão do Mundo na mão,
num relvado do Estádio Azteca invadido pelos adeptos, é das mais
reconhecidas da história do futebol, num Mundial em que o ‘10’ viveu os
melhores dias como futebolista.Mais até do
que o troféu conquistado, fica na memória de todos os amantes do
futebol aquele que é considerado o melhor golo da história dos Mundiais,
com Maradona a partir do seu meio-campo, com a bola ‘agarrada’ ao pé
esquerdo, e a fintar todos os ingleses que lhe apareceram pela frente,
até bater Peter Shilton.Foi nos quartos de
final, no triunfo por 2-1 sobre a Inglaterra, e aconteceu minutos
depois do célebre episódio da ‘mão de Deus', lance assim definido pelo
próprio ‘Pelusa', para justificar o golo marcado com a mão.Nesse
Mundial, ainda brilharia intensamente nas meias-finais, com dois golos
ao guarda-redes belga Jean-Marie Pfaff, que o havia desafiado, para, na
final, ser ‘anulado’ quase até ao final por uma marcação impiedosa:
deram-lhe um espacinho, perto do final, e fez um maravilhoso passe para o
3-2 final de Burruchaga.Quatro anos
depois, de novo liderada por Maradona, a Argentina repetiu a final do
Mundial (Itália1990), numa fase final marcada pelo embate das
meias-finais, em que os sul-americanos defrontaram a superaram a seleção
anfitriã no desempate por penáltis (4-3, depois de 1-1 nos 120
minutos).O jogo foi em Nápoles, onde
Maradona era um ‘Deus’, e, como tal, nas bancadas, o público dividiu-se,
com os napolitanos incapazes de assobiar aquele que lhes dera tudo, em
forma de dois títulos italianos que o clube jamais repetiu.Os
italianos acabaram, porém, por vingar-se de Maradona, quando este foi,
com uma Argentina dizimada pelas ausências, tentar o ‘bis’ na final de
Roma. Os alemães acabaram por desforrar-se, com a ajuda de um penálti de
um penálti mais do que controverso assinalado pelo mexicano Edgardo
Codesal.Apesar da fase italiana ser a mais
vitoriosa na sua carreira, foi também, para muitos, o período em se
deixou enredar pelo consumo de droga (cocaína). Foi expulso do Nápoles,
em 1991.A saída de Itália levou-o de novo a
Espanha, para uma época sem história no Sevilha (1992/93). Daí rumou à
Argentina para jogar pelo Newell's Old Boys (1993/94), regressando ao
Boca Juniores (1995/97), onde terminou a carreira, com 37 anos.Pelo
meio, ficou uma passagem efémera pelo Mundial1994, no Estados Unidos,
onde Maradona, depois de brilhar intensamente num 4-0 à Grécia, teve um
controlo antidoping positivo (efedrina). Isso valeu-lhe a expulsão da
prova e posterior castigo de um ano, aplicado pela FIFA.Ao
longo da vida submeteu-se a vários tratamentos de desintoxicação de
droga, o mais famoso dos quais, em 2000, quando passou uma temporada em
Cuba, onde surgiu publicamente ao lado de Fidel Castro.Maradona
regressou aos palcos mediáticos ao assumir o comando técnico da seleção
argentina (manteve uma permanente tensão com a imprensa), levando a
equipa até aos quartos de final no Mundial2010, na África do Sul,
eliminada pela Alemanha (4-0).Após este
desaire, e apesar do apoio dos adeptos argentinos, Dieguito, El Pibe de
Oro, El Diez ou Pelusa - nomes pelos quais é carinhosamente tratado na
Argentina - abandonou a seleção das Pampas.Entre
2010 e 2012, e 2016 e 2018, o antigo internacional argentino treinou
nos Emirados Árabes Unidos, primeiro o Al Wasl e, depois, o Al-Fujairah,
antes de rumar ao México, para orientar o Dorados, em 2018/19, mas
nunca alcançou nos bancos o brilhantismo que explanou durante duas
décadas nos relvados. Em 2019, voltou à
Argentina, para assumir o comando do Gimnasia de la Plata, o último
clube ao qual esteve ligado durante uma vida de glórias e excessos, e
que hoje se ‘apagou', deixando para a eternidade a personalidade
vincada, o ‘génio' futebolístico e o pé esquerdo mais decisivo de que há
memória.