Gibraltar não quer ser espanhol mas é o canto mais pró-europeu do Reino Unido
Brexit
10 de dez. de 2018, 10:10
— Lusa/AO Online
No
referendo realizado em 2016 e que deu o pontapé de saída para o
'Brexit', 96% dos votantes em Gibraltar optaram pela permanência na UE.
Em vários outros referendos, o mais antigo em 1967, os gibraltinos já
tinham sido unânimes também na questão da soberania: quase 100% votaram
contra uma governação repartida com os espanhóis. "Adoro
Espanha, tenho muitos amigos do outro lado, mas é uma questão de
identidade. Nasci britânico, gibraltino, e é assim que me sinto e não
gostaria que isso mudasse", postula Lionel Chipolina, que sempre viveu
na península que abre caminho ao Oceano Atlântico e ao Mar Mediterrâneo.Quando
Damon Bossino nasceu, em Gibraltar, em 1972, a fronteira estava
encerrada há três anos e assim continuou até este advogado fazer 12
anos, mas isso não o impediu de mais tarde criar família com uma cidadã
espanhola de La Línea, que foi estagiar para Gibraltar."Sou
o exemplo vivo de como é possível duas comunidades com culturas
distintas juntarem-se em harmonia", refere, lembrando que os gibraltinos
- que são "uma mistura de portugueses, britânicos, espanhóis, malteses e
italianos" -, sempre se sentiram parte do projeto europeu.Mas
tal como há mais de 60 anos, quando uma visita da rainha Isabel II
irritou Franco, levando-o anos depois a encerrar a fronteira, a teimosia
em querer a bandeira espanhola outra vez na península só tem ensombrado
as relações entre ambos os países, acredita Juan Jose Uceda."Eu
sou espanhol, mas a mim não me ponham a bandeira à frente de direitos
humanos e necessidades básicas como ter de alimentar uma família",
sublinha o presidente da Associação de Trabalhadores Espanhóis em
Gibraltar, para quem entregar o território aos seus conterrâneos "seria
um desastre total".Para
Juan Jose, se Espanha recuperasse Gibraltar, "o que não vai acontecer
nunca", de que lhe valia, quando tem uma cidade ali mesmo ao lado, La
Línea de la Concépcion, que está "completamente abandonada" e onde a
taxa de desemprego é das mais elevadas em Espanha.A
verdade é que os gibraltinos - e todos os outros que ali trabalham -
não estão contra Espanha, mas desaprovam a atitude das autoridades
espanholas na fronteira, que se torna mais severa sempre que se levantam
questões mais tensas."Sobretudo
quando há algum conflito entre Espanha e Gibraltar, muitas vezes [os
espanhóis] tentam dificultar a fronteira, aconteceu há uns tempos quando
houve um problema relacionado com a pesca", conta o português Filipe
Silva.Outro
"capricho" do governo espanhol aconteceu em 2003, quando a fronteira
fechou temporariamente, o que não acontecia há mais de 20 anos, porque
um navio de turistas com um surto viral a bordo tinha atracado em
Gibraltar, critica Juan Jose. O
vice-ministro principal de Gibraltar, Joseph Garcia, considera mesmo
que a posição de Espanha relativamente ao território “nada mudou” nos
últimos 300 anos e que o país ainda “não conseguiu ultrapassar” essa
questão, pelo que vai sempre usar qualquer oportunidade para tentar
reclamar Gibraltar.“Desde
o início, deixámos bem claro que não temos qualquer interesse na
soberania espanhola e em 2002 a ideia de soberania partilhada também foi
rejeitada”, sublinhou, acrescentando que apesar de quererem manter
relações amigáveis com os seus vizinhos, os gibraltinos são britânicos e
assim desejam permanecer.Com
34 mil habitantes, o Rochedo é um dos territórios no mundo com maior
densidade populacional: tem aproximadamente cinco mil habitantes por
quilómetro quadrado. Sem
espaço para crescer, prolifera na cidade a construção de silos
automóveis e de prédios. Arrendar um apartamento chega a custar o dobro,
ou mais, do que em La Línea, ali mesmo ao lado, onde residem 65 mil
pessoas.Não
admira, por isso, que um dos setores que mais emprega pessoas em
Gibraltar seja a construção civil. Há até uma empresa portuguesa que
todos apontam como a responsável pela maioria das obras em curso. Mas há
também os serviços, o comércio, as seguradoras e as empresas de apostas
'online'.O
turismo também atrai muita gente: na maioria, são curiosos que querem
ver como é uma "pequena Inglaterra" dentro de Espanha e que chegam
sobretudo por via terrestre, através de la Línea, mas também em navios
de cruzeiro. Depois
há os britânicos que ali vão passar a reforma ou que têm segunda
residência em Gibraltar, aproveitando a brisa amena do Mediterrâneo.Gibraltar
é uma das seis comarcas da província de Cádiz, inserida na Comunidade
Autónoma da Andaluzia, que tem quase o tamanho de Portugal e é a mais
populosa região espanhola, com oito milhões de habitantes.