Fundador do PS/A considera que o “gesto digno” seria a abstenção do partido
12 de fev. de 2024, 06:57
— Rui Pedro Paiva/Carolina Moreira
O Partido Socialista anunciou que vai votar contra o
programa de Governo de José Manuel Bolieiro. Como é que reage a esta
decisão?Eu sinto uma profunda desolação e tristeza por verificar, ao
ler um comunicado que me foi enviado na qualidade de militante pelos
órgãos de comunicação do partido, que a decisão de votar contra um
programa de governo que resultará da eleição do passado domingo foi
votada por unanimidade e por aclamação. A primeira reação que senti
foi ‘Aclamaram o quê?’. A decisão de não votar um programa de governo
sem dar oportunidade a que a Assembleia Regional debata esse programa de
governo? Estou entristecido porque sinto que o meu partido, o
partido que eu ajudei a fundar nos Açores - e sinto alguma emoção quando
sinto isto, e é genuína - está a pôr em causa o regime autonómico. E
está a pôr em causa o regime autonómico porque, de uma penada, e são 96
linhas de um comunicado que eu li mais do que uma vez, um órgão
partidário, um secretariado regional comunica a um outro órgão
partidário, que é a comissão política regional, uma decisão que implica,
se for levada a seu termo, a dissolução de um órgão que ainda nem
sequer reuniu. E que por acaso é o órgão máximo da autonomia regional.Como
é que se pode tolerar uma arrogância de um secretariado regional
liderado por um presidente do PS/Açores que, antes do órgão máximo da
autonomia reunir na sequência de um ato eleitoral altamente participado,
em que o Partido Socialista foi derrotado, praticamente toma a decisão
de dizer ‘A Assembleia está dissolvida?’ Isto é, o órgão máximo da
autonomia não tem condições para reunir por decisão do Partido
Socialista. Ora, eu e os não socialistas também sabem qual é o percurso
histórico do PS e sabem que, a nível nacional e a nível regional, a
primeira linha do nosso combate foi a defesa da democracia. Direções
livres e democráticas. Desde o PREC até hoje. E, pela primeira vez na
história da nossa autonomia, eu pergunto-me que pressa teve o PS/Açores,
o partido que eu ajudei a fundar, em praticamente condicionar o
funcionamento normal do órgão máximo da autonomia, que é a Assembleia
Legislativa Regional, na sequência de um ato eleitoral que, parece-me,
não foi devidamente respeitado porque se fosse... Porque o ato eleitoral
é o ato sagrado da democracia e, portanto, deveria decorrer um tempo de
reflexão suficiente, os resultados eleitorais ainda não são sequer
oficialmente publicados, ninguém obrigava o PS a tomar esta decisão a
não ser que quisesse mesmo desvalorizar o papel da Assembleia
Legislativa Regional e, ao fazê-lo, deu um péssimo exemplo do que não se
deve fazer num regime democrático e muito menos no regime da autonomia
regional que tanto valorizamos.Portanto, estou muito triste, muito
descrente na capacidade dos políticos que provocaram este percalço
democrático na Região Autónoma dos Açores, numa altura em que todos nós
devíamos estar concentrados em encontrar soluções e não em criar
problemas graves a adicionar aos muitos que ainda estão por resolver e
com implicação, se isto for levado até ao limite, de termos que repetir o
ato eleitoral daqui a uns oito meses e para quê? Para premiar o PS ou
premiar quem foi impedido de governar? Esta é a questão que penso que
não foi analisada de todo na reunião do secretariado regional do PS nem
na reunião da comissão política. Por isso, é pena que tenham aplaudido
um erro que pode ser trágico para a nossa autonomia e para o futuro do
Partido Socialista.Mas se o PS aprovasse um governo de Bolieiro não seria dar ao Chega o protagonismo da oposição? Eu
penso exatamente o contrário. Em primeiro lugar porque o PS não tinha
que votar a favor. O PS poderia abster-se. E esse seria o gesto digno de
quem, tendo perdido eleições, não tinha uma atitude de amuo ou de
ressentimento, por causa de um ato irrefletido, no calor da ressaca de
uma derrota, querer de uma forma revanchista impedir que a coligação
vitoriosa procurasse resolver democraticamente o seu problema.Eu
admito que o PS não deve ficar refém do jogo partidário, dos interesses
diversos que estão na mesa e, portanto, tem que se saber comportar com
responsabilidade, é um partido que governou os Açores durante 20 e
alguns anos e, portanto, tem traquejo, sabe que em política há muita
forma de agir e reagir, o que não faz sentido é que o partido ponha nas
mãos do Chega o protagonismo de fiel da balança porque, tendo anunciado
precocemente que irá votar contra, atribui ao Chega o papel de derrubar
ou não o Governo Regional.Portanto, ao tomar esta atitude
precocemente, precipitadamente, o PS/Açores entrega às mãos do Chega a
decisão de, ‘Se quisermos, ainda podemos salvar o Governo Regional, se
não, haverá a tal coligação negativa pela segunda vez’ – que o
presidente do PSD previu, e todos nós que analisamos estas coisas
podemos prever que é, se o PS votar contra e o Chega mantiver a mesma
posição, este ato eleitoral terá sido banalizado e a vontade do povo
nele expressa não será respeitada. Portanto, de que terá servido a
eleição do passado dia 4? Isto é que é extremamente reprovável, no
meu entender, porque o Partido Socialista não tinha que votar
favoravelmente o programa de governo do PSD, não deveria preocupar-se
com o que o Chega irá fazer ou não fazer, deveria preocupar-se em
assumir a posição mais responsável para defender a democracia, para
defender a autonomia regional, a credibilidade dos órgãos de governo da
Região Autónoma dos Açores e não contribuir para a instabilidade que foi
o que acabou por fazer hoje [sexta-feira, dia 9 de fevereiro].Que ilações deve retirar o Partido Socialista do resultado das últimas eleições?Eu
olho para a minha ilha [Faial] e dou-a como exemplo, porque resido nela
e tenho contacto com as pessoas do PS e de outros partidos, sabendo
todos eles que já não estou a participar na política ativa do meu
partido ou a qualquer outro nível. Mas continuo a acompanhar como
cidadão, interessado em dar alguma achega, porque sou procurado para
emitir opinião, por isso tenho acompanhado de perto alguns momentos, uns
de maior dificuldade, outros de sucesso do percurso do meu partido. Mas
nos últimos tempos tem-se verificado claramente que o PS não soube
desempenhar o seu papel de maior partido da oposição.Julgo que os
açorianos penalizaram o Partido Socialista e, em particular na ilha do
Faial - as pessoas podem não estar cientes disso - mas o PS que dividiu
com o PSD os quatro lugares da Assembleia Legislativa Regional e ficou
2-2 [deputados eleitos], mas se tivesse perdido oito votos tinha ficado
3-1 a favor da coligação. Foi por oito votos que o PS empatou. Isto tem
que ser analisado de forma muito fina. E de repente noutra ilha
acontecia o mesmo e o resultado eleitoral poderia ter sido facilmente
uma maioria absoluta da coligação. O PS esteve à beira de ter uma
derrota muito maior por poucos votos e isto quer dizer que o PS não
desempenhou bem o seu papel de partido da oposição. E devia ter a
humildade democrática de o reconhecer. E se os políticos que ainda estão
à frente do PS se propõem demitir, antes da Assembleia reunir, de
desempenhar os cargos para que foram eleitos, irão ser penalizados. Acho
que é óbvio.O povo não aceitará que se passe em branco sobre o
resultado destas eleições. E se houver um ato eleitoral a muito curto
prazo, no espaço de sete a oito meses, o grande prejudicado será o
Partido Socialista. O povo não compreenderá como é que o PS, e porque é
que o PS impede que a Região tenha um governo com plenos poderes numa
altura em que a economia, a política no sentido global e nacional, a
estabilidade que envolve o próprio regime democrático está em cima da
mesa e a ser despedida. Qual é o impacto que terá a curto prazo uma
decisão destas? Aclamaram o presidente derrotado do PS/Açores?
Concordam com a continuidade do mandato? Isso deveria ser resolvido em
congresso regional dentro de poucos meses. Não compreendo a arrogância,
não compreendo a precipitação, não compreendo a falta de visão
estratégica em termos políticos e, uma vez mais, o partido que beneficia
deste quadro de instabilidade que o PS anunciou é o Chega. O Partido
Socialista fez o favor de dizer que o Chega é que tem o poder de decidir
se há Assembleia Legislativa Regional em funcionamento durante uma
legislatura ou durante parte da legislatura, porque o PS já esgotou toda
a sua munição dizendo que prefere que não haja o resultado efetivo de
um ato eleitoral e que quer eleições antecipadas daqui a uns meses. É
lamentável que tal tenha acontecido.Acha que Vasco Cordeiro tem condições para continuar à frente do Partido Socialista na Região?Depois
do que acabei de dizer, obviamente que não. A irresponsabilidade
atingiu um patamar tão alto e, interpretando eu esta aclamação como
sendo feita a quem, no secretariado regional, redigiu um texto que
depois foi submetido a uma comissão política que o aprovou por
unanimidade e aclamação, julgo que ele se quis reforçar internamente,
menosprezando completamente o interesse dos açorianos que, bom ou mau,
querem um governo e que o papel da oposição é opor-se às más políticas e
propor alternativas para as corrigir.Um líder partidário que impede
que o órgão máximo da autonomia funcione até para que ele possa liderar
o processo de oposição para, num tempo certo, no fim de uma legislatura
se submeter a votos, não está a fazer nada a dirigir um partido que o
leva a uma situação que só pode resultar em descrédito e de
descredibilização da própria função de presidente do Partido Socialista
nos Açores.Acho que Vasco Cordeiro devia ter refletido, não refletiu
sobre todas as consequências do ato que anunciou e receio que o tenha
feito por pressão do partido a nível nacional e julgo que isso também
significa que ele é um líder fraco, porque se ele de facto tomou a
decisão em função de pressões recebidas do líder nacional do Partido
Socialista, Pedro Nuno Santos, não está em condições de continuar a
presidir a um partido que tem estatutos próprios e que tem uma estrutura
regional autónoma.