Fortunato Garcia, produtor do vinho Czar: “Dar continuidade ao legado do meu pai foi e continua a ser uma honra”
#Empresário
26 de nov. de 2024, 15:19
— Made in Açores
Professor, músico e empresário. O
Fortunato Garcia herdou um pouco de tudo e é muito de cada?
Professor, tal como meus pais,
profissão que, hoje em dia, não tem o mesmo reconhecimento que teve
outrora, pois a sociedade deixou de reconhecer que sem professores
não existe educação. No entanto, fui por gosto e por vocação. Ser músico é o meu “stress relief”.
Faz bem à alma, ajuda a acalmar os ânimos e a distrair dos
problemas. Empresário... comecei com a discoteca
Skipper, em Santo António, mas, após 16 anos de noite e com o
falecimento do meu pai, fechei esse capítulo e passei a dedicar-me
aos vinhos Czar.
A produção de vinho começou pelo seu
pai. Acompanhou-o desde o início?
Nasci quando ele comprou a vinha na
Criação Velha, numa zona mais tarde classificada como Património
da Humanidade, pela UNESCO. Sim, pode dizer-se que acompanhei desde o
início. A partir dos cinco anos de idade, já ia para a vinha
ajudar, no que podia.
Quando é que passa a ser, realmente, o
responsável? Foi algo natural?
Quando interrompo a universidade, em
1989, passo a ajudar em tudo na adega. Teve de ser, visto que eu e os
meus amigos bebíamos uma boa parte do vinho do meu pai. Do ter de
ser a gostar de fazer, foi bastante rápido. Com a idade de meu pai avançando, as
minhas responsabilidades de adegueiro foram aumentando. Com o
falecimento dele, em 2007, é que foi decidido, entre mim e os meus
dois irmãos, por eu ser o mais bem preparado para dar continuidade
ao legado do nosso pai. Em 2008, produzo o primeiro Czar sem ele.
O Czar dá um grande salto em termos de
visibilidade graças à produção de 2009, que chega ao mercado em
2017 com uma embalagem carimbada pela Vista Alegre. Como foi esse
processo?
Uma das barricas de 2009, ao contrário
de todas as outras, continuou a sua fermentação até à vindima de
2010. De oito a dez meses é normal mas 12 meses, em fermentação,
não tinha registo.
Ao enviar o vinho para laboratório, as
análises deram 20,1 de volume de álcool adquirido, sem nenhum tipo
de enriquecimento; ou seja, totalmente natural. Essa barrica foi
engarrafada, separadamente, e deu 205 garrafas. Segundo Edward Korry,
professor de Enologia da Universidade de Rhode Island, dos Estados
Unidos da América, tratou-se do “único vinho conhecido do mundo
que, naturalmente, tenha atingido 20 graus”, pelo que passou a ser
um Czar de promoção. Poucas garrafas foram vendidas.
Em 2017, visto ter um vinho considerado
impossível e único no mundo, decidi fazer, com o resto das garrafas
existentes, um lançamento em garrafa premium, de cristal, Vista
Alegre. Somente restava vinho suficiente para se fazerem 75.
Foi uma decisão difícil,
principalmente devido ao preço de cada garrafa, mas acreditei que
era chegada a hora de colocar o Czar no mundo dos vinhos premium. As
últimas 20 garrafas foram vendidas a 1500 euros cada. As 75 garrafas
esgotaram em seis meses, o que me levou a pensar que, afinal, o Czar
poderia vir a ser um negócio, pois nunca o tinha sido em vida de meu
pai e, até então, ainda não o era.
Neste ano de 2024, foi lançada uma
nova edição, também Vista Alegre, neste caso uma homenagem ao meu
pai. O único vinho que ele guardou saiu agora com o título “O
último Czar do século XX”. É o vinho que restou de uma das
barricas de 1999, a preferida dele, que deu somente para 86 garrafas.
Também com gravação a ouro, de 21,3 quilates e, neste caso, em vez
de serem numeradas, estão a ser personalizadas com um nome escolhido
por quem as compra. Estas têm o preço de 7500 euros e já só
existem 48.
Ser produtor de vinho é mais do que um
negócio?
Quem for para produtor de vinho
pensando, exclusivamente, em ser um negócio, irá ter pouco tempo de
existência - não há regra sem exceção.
Produzir vinho é uma paixão, são
momentos de partilha e de união. É algo que nos corre no sangue e
que faz parte de nós, são momentos de alegria que, muitas vezes, se
tornam em dor, desalento e tristeza.
Ser produtor de vinho é ter uma alma
desafiante, até perante a toda poderosa natureza. Resiliência faz
parte dos nossos nomes, desistir é que nunca. Para o ano vai ser
melhor.
Ser produtor de vinho é uma bênção,
pois somos nós que tornamos este mundo mais alegre. Como Bukowski
escreveu, “Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer. Se
acontece algo de bom, bebe-se para celebrar. Se nada acontece,
bebe-se para que aconteça alguma coisa”.
Como é continuar o legado do seu pai e
sempre com o nome Czar?
Dar continuidade ao legado do meu pai
foi e continua a ser uma honra. É devido ao professor José Duarte
Garcia que este vinho ancestral, que já foi bebido por Papas, Reis,
Imperadores e Czares, hoje em dia, existe. Foi meu pai que deu
manteve algo que não existe em mais nenhum lugar dos Açores, ou do
mundo.
O nome Czar, vinho, não poderia
desaparecer.