Festival Tremor reúne associação de surdos, Ondamarela e Escola de Música de Rabo de Peixe
8 de abr. de 2019, 09:10
— Inês Linhares Dias/Lusa/AO Online
“O
que nós criamos é um espetáculo que tem por base a música. É um ponto
de partida, porque é universal, mesmo para surdos, e depois cada pessoa,
cada grupo, cada comunidade, dá o seu 'input'”, avançou Ricardo
Baptista, músico e co-fundador do projeto de intervenção artística
Ondamarela.O coletivo de Guimarães já
tinha, na edição anterior do festival, trabalhado com a associação de
surdos, mas a descoberta da ESMúsica.RP foi “muito interessante”, disse o
músico à Lusa, acrescentando que o material para esta performance é
novo e “foi todo construído colaborativamente com os alunos e
professores da Escola de Música de Rabo de Peixe, e com os utentes e as
intérpretes da Associação de Surdos da Ilha de São Miguel”.A
todos estes intérpretes junta-se “uma espécie de um terceiro grupo de
trabalho, que é um conjunto de músicos convidados de Ponta Delgada,
incríveis, super generosos, (…) que estão a ajudar a montar este
concerto”.Em palco estarão, ainda, “alguns
convidados da palavra, pessoas que vão ajudar com a parte mais poética e
de palavra, em torno do imaginário” criado para a abertura do festival.A
poesia entra na atuação com “uma mensagem forte”, para a abertura, como
forma de “tentar passar a ideia de que o Tremor é um grito, uma
mensagem, que a ilha deixa numa garrafa e atira ao Atlântico”.Além da música, criada em colaboração, e da palavra, a linguagem gestual também assume um papel fundamental.“É
evidente que os surdos comunicam muito com a língua gestual, e isso é
muito interessante, do ponto de vista performativo, do movimento, e
usamos isso. Mas também é muito interessante a forma gramatical como a
língua gestual põe as coisas (…), a forma como divide as palavras, como
mima as palavras, a forma como diz e não diz coisas”, considerou.Os
Ondamarela, coletivo fundado e gerido por Ricardo Baptista e Ana
Bragança, desenvolvem, “essencialmente, projetos de comunidade que se
ligam a lugares concretos, através de mediação artística”, em diferentes
áreas. Para este espetáculo, voltam a
trabalhar com a comunidade de surdos de São Miguel, um projeto “muito
importante para dar o exemplo na igualdade entre os surdos e os
ouvintes”, considera Rodrigo Furtado, utente da ASISM.“Nós
não somos pessoas com deficiência, com incapacidades, nós somos iguais a
todos os outros. (…) As pessoas acham que é estranho, e depois veem que
nós somos pessoas, temos capacidades, temos os mesmos direitos, podemos
tocar, podemos sentir a música”, afirmou o jovem Rodrigo Furtado, que
já tinha participado no concerto do ano anterior.Também
Maria de Jesus Lima é repetente, e diz ter ficado surpreendida por ser
capaz de sentir a vibração da música, considerando um “orgulho”
participar num projeto como este.Esta é, também, uma experiência valiosa para os alunos da Escola de Música de Rabo de Peixe.Aníbal
tem 13 anos e toca trombone há cinco. A curiosidade levou-o até à
escola onde começou por tocar saxofone, passou pela melódica e agora é
com o trombone que chega ao Tremor. Já pisou o palco do Teatro
Ribeiragrandense e prepara-se para subir ao do Teatro Micaelense “com
confiança”.Colega no trombone, instrumento
que toca desde os cinco anos de idade, também o Martim, de sete anos,
se sente “tranquilo” com a ideia de enfrentar o grande público.Mas, se todos demonstram entusiasmo, a confiança está reservada só para alguns.Na
semana que antecedeu a chegada da Ondamarela, Leandro, de 13 anos,
regressava à escola, depois de a morte do seu irmão o ter afastado da
música. Tocava saxofone, mas, naquele dia, foi-lhe dada uma melódica.
Aquele sábado era, também, a primeira experiência que tinha a ensaiar em
orquestra, com outros alunos da escola, e mostrou-se intimidado com a
atenção que recebeu.“Não gosto, eu fico
envergonhado. No primeiro dia que eu toquei [a melódica e aquela
música], soube tocar a música toda do princípio ao fim e estava tudo a
rir-se para mim. Não gostei”, considerou o jovem de Rabo de Peixe.Leandro
atua, esta terça-feira, no Teatro Micaelense. Com ele estarão também
Aníbal e Martim e todos os outros colegas que compõem a orquestra, bem
como Maria de Jesus e Rodrigo, e vários outros utentes da associação de
surdos, a Ondamarela, músicos locais e todos aqueles que quiserem
assistir ao espetáculo, que acontece às 19:00 e tem entrada livre.