Ferro decide que projeto do Chega sobre castração química não será debatido em plenário
27 de fev. de 2020, 12:32
— Lusa/AO Online
“Tendo
recebido da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias a adenda ao parecer relativo ao projeto-lei, na qual se
conclui que ‘é entendimento da Comissão que, do ponto de vista
constitucional, não preenche os requisitos para a subida a Plenário’, o
Presidente da Assembleia da República, após a necessária ponderação,
emitiu um despacho no sentido de que fique sem efeito o seu agendamento
para plenário”, refere uma nota de Ferro Rodrigues a que a Lusa teve
acesso.O despacho do presidente da
Assembleia da República recorda que admitiu o diploma do Chega
reconhecendo que “o poder de rejeição de iniciativas é absolutamente
excecional”, mas suscitou “desde logo dúvidas acerca da conformidade do
teor desta iniciativa com a Constituição da República Portuguesa, que
foram confirmadas pelo parecer de entidades consultadas no curso do
processo legislativo desta iniciativa, como o do Conselho Superior da
Magistratura”.“Não obstante todas as
dúvidas”, acrescenta, o projeto-lei do Chega - que agrava as molduras
penais para crimes de abuso sexual de crianças e cria a pena acessória
de castração química - foi agendado para o plenário de sexta-feira na
conferência de líderes de 12 de fevereiro, por arrastamento de uma
iniciativa do PS que reforça o quadro sancionatório e processual em
matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de
menores.“Todavia, no mesmo dia 12, a
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
emitiu o parecer que lhe compete relativo ao projeto-lei do Chega o
qual, embora suscitando fortes dúvidas em termos de conformidade da
iniciativa com a Constituição, não se pronunciou, nas conclusões,
relativamente ao cumprimento dos requisitos constitucionais e
regimentais que habilitassem a iniciativa de ser discutida e votada em
Plenário, como, de resto, é prática em pareceres semelhantes”, refere o
presidente do parlamento.No despacho hoje
emitido, Ferro refere que, em 14 de fevereiro, recebeu uma carta da
presidente do grupo parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, pedindo que,
face às dúvidas constitucionais, o arrastamento com o projeto
socialista não fosse aceite e o tema fosse debatido em nova conferência
de líderes.“Em reunião de 19 de fevereiro,
a Conferência de Líderes acordou, unanimemente, no sentido de o
Presidente da Assembleia da República obter os esclarecimentos
necessários junto da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, atendendo às considerações tecidas no seu
parecer”, recorda ainda Ferro.O presidente
da Assembleia da República solicitou então à primeira Comissão que “com
muita urgência” esclarecesse se as “dificuldades manifestas” de
natureza constitucional identificadas no seu parecer eram ultrapassáveis
no decorrer do processo legislativo e se o referido diploma reunia ou
não os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e
votado em Plenário.Em reunião na
quarta-feira, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias emitiu uma adenda ao parecer considerando que
existe no projeto uma “desconformidade constitucional que parece
inultrapassável” - uma vez que a pena acessória de castração química,
onde se centram as principais dúvidas, é um elemento central do diploma -
e acrescenta que “do ponto de vista constitucional, o projeto-lei não
preenche os requisitos para a subida a plenário”.“Ao
abrigo das disposições regimentais aplicáveis e com os fundamentos
apresentados, decido (sem prejuízo do direito de recurso para o
plenário, que delibera em definitivo, nos termos do Regimento da
Assembleia da República), que fica sem efeito o seu agendamento para
plenário”, conclui o despacho de Ferro Rodrigues.Na
quarta-feira, o deputado único do Chega, André Ventura, anunciou que
recorreria para plenário se Ferro Rodrigues retirasse da ordem do dia de
sexta-feira o diploma do partido que introduz a castração química de
agressores sexuais de menores. A adenda ao
parecer foi aprovada na Comissão com votos favoráveis de PS, PCP e da
deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e, além do entendimento de
que o projeto-lei do Chega não preenche os requisitos constitucionais
para a subida ao plenário, refere que “a decisão sobre o agendamento
para discussão em plenário não cabe nas suas competências, mas sim ao
Presidente da Assembleia da República, ouvida a conferência de lideres”.BE,
CDS e Chega votaram contra a adenda ao parecer, defendendo que não se
deveria abrir o precedente de a Comissão de Assuntos Constitucionais
‘travar’ a subida de diplomas a plenário, e PSD e PAN abstiveram-se.