Falta de prática desportiva regular pode causar danos na autoestima
23 de jan. de 2021, 17:00
— Nuno Martins Neves
O desporto de formação, tal como o resto do mundo, vive desde
março debaixo de um clima de incerteza. Que impacto tem a falta de
treinos e competição nos atletas mais jovens, principalmente a nível
mental?De modo geral, o impacto é negativo. Por um lado, as
constantes interrupções dos treinos e das competições desportivas geram
ansiedade e stress, devido à incerteza da situação pandémica atual, o
que prejudica o normal funcionamento das modalidades desportivas.Por
outro lado, medo visto que os atletas poderão desenvolver a perceção
que poderão perder forma física, preparação técnico-tática e consequente
dificuldades no rendimento desportivo e competitividade no geral.Para
além disso, também é importante referir que, independente dos fatores
individuais de cada atleta, se tem traços de ansiedade, mais
negativismo, se são mais perfeccionistas ou não, ou mesmo do próprio
historial de vida, se tem traumas familiares, se tem episódios
depressivos, os atletas poderão desenvolver, devido às paragens, falta
de treinos e competições, problemas emocionais mais graves.
Nomeadamente, perturbação de ansiedade, do humor ou até do sono, além da
natural desmotivação para continuar a praticar a sua modalidade.Os
jovens dos escalões mais precoces poderão ver o seu envolvimento no
desporto muito limitado pela pandemia e assim o prazer, o entusiasmo
pela prática, que são necessários nestas idades, ficarem negativamente
afetados. Por outro lado, atletas que usam o desporto para a
melhoria da condição física e mental/emocional, poderão ficar sem essa
hipótese dessa atividade essencial na sua vida, que traria visíveis
benefícios.A nível físico, a falta de treinos e competições pode
contribuir para a ocorrência frequente de lesões, devido à menor
preparação física. E consequentemente, as lesões afetam a competente
emocional dos atletas, dependendo dos fatores individuais de cada e um e
a forma como cada lida com as suas emoções. Há atletas que percecionam
que não conseguem recuperar a sua condição física e ter sucesso; versus
aqueles que têm outra visão e que conseguem percecionar que conseguem
recuperar bem das lesões e da falta de condição física e
consequentemente ter sucesso. Esta questão das lesões também é muito
importante referir, pois não é só a parte psicológica que é influenciada
pela pandemia, mas o facto de ter menor preparação física pode trazer
mais lesões, pode ter maior impacto psicológico.E serão efeitos a curto, médio ou longo prazo?Poderão
notar-se em ambos os cenários, tudo dependerá da influência da pandemia
na realização das atividades competitivas. Por um lado, caso a pandemia
continue a forçar a paragem dos treinos/competições, claro que os
efeitos psicológicos poderão ocorrer a curto prazo, podendo propiciar o
tal medo ou incerteza de continuar a praticar e correr o risco de
contrair o vírus, podendo levar mesmo à desistência da prática. Por
outro lado, a médio/longo prazo, os efeitos também poderão verificar-se
no sentido que a falta de treinos e competições, poderá contribuir de
forma negativa para a evolução pessoal enquanto atleta, possibilitando o
surgimento de pensamentos e criações de crenças com desvalorização
pessoal e fracasso. Do ponto de vista psicológico, a falta de prática
desportiva regular, pode gerar problemas ao nível da autoestima e da
auto eficácia dos próprios atletas, e ser um obstáculo à perspetiva que
os atletas já possam ter criada de objetivos futuros no desporto, como
por exemplo, ser atleta de alta competição, vencer vários títulos, estar
envolvidos em competições regionais e internacionais, ir aos Jogos
Olímpicos, etc.Haverá atletas que saindo nesta altura poderão cortar de vez com o desporto?É
possível, olhando para um lado mais negativo, pela falta de treinos,
pela falta de competição e pela perceção dos próprios atletas que não
estão a evoluir, que lhes está a ser vedada. Num lado mais otimista,
existirão atletas que, mesmo com estas interrupções no desporto,
continuarão motivados, através de algum treino em casa, ou mediante a
sua capacidade mental de superação da situação atual.Os atletas com
uma visão mais desafiadora da situação, enfrentarão com menor ansiedade e
maior tolerância à frustração. Enquanto atletas mais negativistas e que
percecionam a situação atual da pandemia como ameaçadora, irão encarar
com maior ansiedade, mais frustração, maior desmotivação. Mas acho
que aqui é importante referir uma intervenção possível neste abandono.
De forma geral, é importante a intervenção das famílias, para
compreender os sentimentos negativos dos jovens, o apoio emocional, o
diálogo sobre as incertezas destes atletas, a motivação para a
manutenção da prática desportiva. E também a transmissão, por parte da
família, de padrões de pensamento de esperança e superação e nunca de
perspetivas de ansiedade, negativismo e desespero. As famílias já eram
antes e tornam-se ainda mais modelos muito importantes para a motivação
dos jovens para o desporto, seja para o início, manutenção, etc.