Ex-presidente da Câmara Valdemar Alves diz no recurso que pena é desumana
Pedrógão Grande
4 de abr. de 2022, 11:55
— Lusa/AO Online
“A
pena de sete anos de prisão sem suspensão aplicada ao recorrente
[Valdemar Alves] é desumana (…) e é equivalente a prisão perpétua”,
lê-se no recurso a que a agência Lusa teve hoje acesso, que recorda a
idade do arguido – 73 anos – e o seu estado de saúde.A 31 de janeiro, Valdemar Alves foi condenado a sete anos de prisão pela
prática de 13 crimes de prevaricação de titular de cargo político e 13
crimes de burla qualificada, alguns dos quais na forma tentada.Foi
também condenado ao pagamento solidário com mais 12 arguidos
(entretanto uma arguida morreu, pelo que se extinguiu a sua
responsabilidade criminal) dos pedidos cíveis formulados pelo Fundo
Revita, Misericórdias Portuguesas/Fundação Gulbenkian e Cruz Vermelha,
totalizando 406.195,54 euros.O Revita,
criado pelo Governo, é um fundo de apoio às populações e à revitalização
das áreas afetadas pelos incêndios de junho de 2017. Agrega a recolha
de donativos em dinheiro, em espécie de bens móveis ou em serviços. Tem
um Conselho de Gestão e uma Comissão Técnica.No
acórdão, o coletivo de juízes sustenta que Valdemar Alves e o
ex-vereador do Município de Pedrógão Grande Bruno Gomes (condenado a
seis anos de prisão) elaboraram um plano para fazer chegar mais dinheiro
ao concelho, “através da aparência da necessidade de reconstrução de
habitações não permanentes ardidas”.Para o
Tribunal, os antigos autarcas sabiam que, “com a aparência que criavam,
através da narração de factos falsos, obtinham um benefício para os
requerentes das habitações em causa e para o concelho de Pedrógão
Grande, a que de outro modo não teriam direito (como, de resto, segundas
habitações dos demais concelhos atingidos pelos incêndios não
tiveram)”.No recurso, Valdemar Alves
afirma que não praticou nenhum dos 13 crimes de prevaricação, “uma vez
que não atuou enquanto eleito local” (titular de cargo político), pois
não foi nessa qualidade que foi designado membro da Comissão Técnica e
do Conselho de Gestão do Revita.“Os
procedimentos administrativos em que o recorrente interveio eram
processos do Fundo Revita e não era inerente às suas funções de
presidente da Câmara”, salienta o documento, referindo que, ao contrário
do que consta no acórdão, o Conselho de Gestão “não se fundamentou nas
propostas emitidas” por Valdemar Alves ao decidir a concessão de apoios.Acresce
que os apoios a atribuir pelo Revita configuram subsídios ou
subvenções, pelo que “não há qualquer prejuízo patrimonial para o
Fundo”, com o antigo autarca a negar “responsabilidade decisória”
perante “as entidades privadas que pretenderam efetuar doações” a
vítimas dos incêndios.O recurso foca-se,
também, na questão das habitações permanentes, para sustentar que este
fundo “teria como destino o financiamento à reabilitação, reconstrução e
apetrechamento das habitações afetadas pelos incêndios” em Pedrógão
Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no distrito de
Leiria, “sem restringir expressamente esse financiamento a habitações
permanentes”. Assim, as não permanentes “também poderiam ser apoiadas,
não sendo, no entanto, prioritárias”, mas “a regra da prioridade foi
cumprida”.No documento, de 289 páginas, o
arguido, através do seu advogado Bolota Belchior, destaca, igualmente,
que “nada se provou” quanto à intencionalidade de Valdemar Alves ao
atuar, “nem nada se provou relativamente ao conluio e prévio acordo”
deste com Bruno Gomes.Sobre a suposta
“motivação política” do arguido, este assinala que “a obtenção de
vantagem política não constitui crime”, frisando que não causou
“enriquecimento ilegítimo a ninguém, através de erro ou engano,
astuciosamente provocados sobre factos”.“Faltam
todos os elementos do tipo [legal de crime] na imputação que o acórdão
faz à conduta do recorrente no que respeita aos crimes de burla”,
argumenta ainda, para realçar também que não está quantificado o valor
em que os outros municípios ficaram prejudicados.Referindo
que o acórdão condenou Valdemar Alves “por factos que ele não
praticou”, o recurso acrescenta que, a entender-se que a atuação deste
“pudesse ser ilícita, então, de acordo com os factos provados, ocorreu
uma única resolução (…) e, portanto, existirá apenas um crime”.No
recurso, o arguido enumera as normas jurídicas que considera violadas,
incluindo a Constituição, bem como os princípios jurídicos violados, e
pede que seja dado como provado que todas as habitações permanentes
foram reconstruídas, que nem as populações, nem os municípios de
Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, nem o Fundo Revita, foram
prejudicados e que sobrou dinheiro ao Revita, sendo que o seu Conselho
de Gestão ainda não lhe deu destino.Considerando
que deve ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se Valdemar Alves, o
documento ressalva que, se assim não se entender, “em última análise”, a
pena de prisão deve ser suspensa.