Ex-PGR diz que decisão instrutória do processo Operação Marquês colocou em causa imagem da justiça
18 de mai. de 2021, 14:18
— Lusa/AO Online
Esta
ideia foi manifestada por Joana Marques Vidal em entrevista publicada
hoje pelo jornal Observador, numa altura em que a antiga PGR cessa
funções no Ministério Público (MP), onde exerceu a sua carreira durante
mais de 40 anos, tendo nos últimos tempos sido procuradora-geral-adjunta
junto do Tribunal Constitucional.Questionada
sobre o alegado sentimento negativo gerado na opinião pública pela
decisão sobre a Operação Marquês, Joana Marques Vidal contrapôs que "é
importante que se faça alguma reflexão sobre esse tipo de perceções". "Em
primeiro lugar, porque há muitas que não correspondem à verdade.
Diz-se, por exemplo, que nada mudou desde o 25 de Abril sobre a
morosidade da Justiça e que estamos pior do que estávamos antes. Se nos
sentarmos e analisarmos com racionalidade, percebemos que isso não é
verdade. Mas esta perceção existe. O que nos remete para a necessidade
de a Justiça comunicar melhor. Por outro lado, a forma como a opinião
pública reagiu [à decisão da Operação Marquês] foi muito negativa",
comentou.Segundo a ex-PGR, a opinião
pública "não compreendeu a decisão", precisando: "Não a compreendeu — o
que, temos que admitir, acentuou a desconfiança. Esta reação de
incompreensão deve levar-nos a uma reflexão sobre a comunicação da nossa
atividade e até sobre o funcionamento do sistema judicial. Ao mesmo
tempo também colocou a Justiça na ordem do dia — pelas piores razões,
diria eu".Perante o facto de, também no
âmbito deste processo, terem sido feitas críticas a vários setores da
justiça, Joana Marques Vidal replicou que "encontrar culpados é uma
tendência" que existe, mas que isso está arredado das suas preocupações.
"Há quem diga que a culpa é do Ministério
Público (MP), outros dizem que é dos tribunais. O que importa é a
realidade: a perceção da opinião pública é que a decisão colocou em
causa o prestígio e a compreensão sobre o funcionamento de todo o
sistema judicial", frisou.Tendo a Operação
Marquês nascido durante o seu mandato como procuradora-geral da
República, Joana Marques Vidal não se quis alongar em comentários sobre
as vicissitudes do processo, partilhando da ideia da atual PGR, Lucília
Gago, de que há que "ter serenidade" para aguardar que o sistema
judicial funcione na análise dos sucessivos recursos para o Tribunal
Relação de Lisboa.A ex-PGR entendeu ainda
ser "razoável" que o inquérito do processo Operação Marquês, cuja
titularidade pertence ao MP, tivesse demorado quatro anos, dada a
complexidade do processo. Quanto aos três anos que durou a fase de
instrução, dirigida pelo juiz Ivo Rosa, não se quis pronunciar, mas
alertou para algumas situações."Não me
quero pronunciar sobre isso. Só quero chamar a atenção que a situação da
morosidade tem de ser analisada de forma global. Veio na comunicação
social que, entre a acusação e o início das diligências na instrução,
passaram-se dois anos. Não estou com isto a acusar os senhores
funcionários. Estou a dizer que a Justiça tem de ter recursos e meios
para se fazer mais rápido e melhor. É muito pouco razoável que os atos
de secretaria demorem metade do tempo que demorou a investigação de um
caso com estas características de complexidade", disse.A
ex-PGR opinou que a questão dos megaprocessos tem sido apresentada e
criticada de "uma forma demagógica porque acabar com os megaprocessos
parece ser a solução para todos os problemas — mas, na realidade, "não
é"."Haverá sempre processos que, pela
complexidade e prolongamento no tempo dos factos subjacentes, terão
sempre uma dimensão acima da média. Outra questão é a forma como os
tribunais julgam e investigam este tipo de processos altamente
complexos. É fundamental que os juízes tenham peritos como assessores
durante a fase de julgamento para entenderem todos os mecanismos,
nomeadamente os circuitos financeiros, que fazem parte dos autos",
propôs.Quanto à estratégia nacional
anticorrupção proposta pelo Governo, a ex-PGR diz apoiar as medidas da
justiça negociada, o alargamento das penas acessórias para titulares de
cargos políticos e a manutenção do Tribunal Central de Instrução
Criminal (TCIC)— mas criticou omissões relevantes na área da prevenção.Na
entrevista ao Observador, Joana Marques Vidal propõe uma medida que o
Governo recusou: a criação de um tribunal de julgamento com competência
especializada para a criminalidade mais complexa, como corrupção e
crimes conexos mas também desvios de fundos europeus, terrorismo,
tráfico de pessoas, entre outros. "Não
seria um tribunal especializado para uma categoria de crime mas sim um
tribunal de competência territorial alargada que julgaria os crimes
investigados pelo Departamento Central de Instrução Criminal. “Este
tribunal não é inconstitucional”, sustentou.Os
riscos de corrupção nas autarquias e o financiamento partidário ilícito
foram outros temas abordados na entrevista pela ex-PGR, que não foi
reconduzida no cargo, após um mandato em que o MP investigou o caso
BES/GES, Operação Marquês e o caso de Tancos, entre muitos outros casos
sensíveis.