EUA tinham conhecimento de manifestação independentista de 1975 nos Açores
5 de jun. de 2020, 19:54
— Lusa/AO Online
De acordo com
documentos secretos norte-americanos que foram entretanto
desclassificados e divulgados publicamente, devido à manifestação de 06
de junho de 1975 e à eventual derivada comunista no país, Washington deu
essa indicação aos seus militares instalados na base da ilha Terceira.Naquele
dia, uma manifestação juntou cerca de 10 mil pessoas em Ponta Delgada,
na ilha de São Miguel, sobretudo lavradores com diversas revindicações
perante o Governo central e contra uma eventual tomada do poder no país
pelos comunistas. O protesto acabou por ficar conotado com a
independência dos Açores.De acordo com os
documentos, os norte-americanos tinham vários cenários previstos para os
Açores, o primeiro dos quais apontava por manter a sua neutralidade,
não informando o Governo português sobre as atividades separatistas e um
possível ataque, e dizendo à Frente de Libertação dos Açores (FLA),
liderada por José de Almeida, que não se iriam envolver.Luís
Andrade, docente universitário, estudioso de geopolítica e
geoestratégia, declarou à agência Lusa que, com base na documentação que
era secreta e tem vindo a ser divulgada pelos Estados Unidos nos
últimos anos, Washington "poderia ter essa visão", mas "oficialmente
nunca a manifestou".Segundo o também
professor catedrático de Ciência Política e Relações Internacionais da
Universidade dos Açores, na altura tanto o embaixador norte-americano em
Lisboa, Frank Carlucci, como o Consulado dos Estados Unidos em Ponta
Delgada "nunca admitiram" a perspetiva de uma independência dos Açores.Contudo,
o especialista salvaguardou que "se a situação se tivesse deteriorado e
houvesse uma enorme imprevisibilidade e instabilidade" no Governo
central, sobretudo no verão de 1975, era "muito possível" que os
norte-americanos apoiassem a independência.Citando
Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano, que escreveu
que Portugal estava perdido para o comunismo no denominado "verão
quente", Luís Andrade referiu que "não se pode dizer claramente que os
Estados Unidos queriam ocupar as ilhas dos Açores se a situação se
complicasse a nível nacional", mas não seria de admirar "absolutamente
nada que se tenha pensado seriamente no assunto".O
docente universitário admite que "houve alguns contactos" do líder da
FLA com "várias entidades americanas", visando a independência dos
Açores, mas "ao nível mais elevado da administração norte-americana" o
responsável "nunca foi recebido".Tendo a
necessidade de salvaguardar a base das Lajes, referiu os
norte-americanos "jogaram com os dois lados: com o Governo português,
mantendo uma relação mínima, não quebrando o relacionamento, por um
lado, mas atentos à situação nos Açores, por outro".A base das Lajes era, na década de 1970, uma peça considerada fundamental na política de defesa norte-americana.Devido
a mutações geopolíticas, em 2015, o secretário de Defesa dos Estados
Unidos, Chuck Hagel, confirmou a decisão do Pentágono de reduzir a
presença dos Estados Unidos na estrutura militar da ilha açoriana da
Terceira.O embaixador norte-americano em
Portugal, Robert Sherman, já tinha anunciado o plano do Pentágono para
uma redução gradual de pessoal civil e militar na base militar das
Lajes. Segundo Sherman, a redução
envolveria a redução de 900 para 400 trabalhadores civis portugueses e
de 650 para 165 funcionários civis e militares dos Estados Unidos.Entre Portugal e os Estados Unidos vigora uma acordo bilateral de defesa e cooperação que tem como pilar a base das Lajes.