Estudo sobre concentração de metais pesados na Terceira gera críticas
8 de abr. de 2025, 09:28
— Carolina Moreira
O estudo que analisou esqueletos humanos não reclamados da ilha Terceira
para concluir que existe uma maior concentração de metais pesados na
população da Praia da Vitória, provavelmente devido à contaminação
ambiental da Base das Lajes, tem gerado dúvidas quanto à sua base legal e
ética.Segundo o autor do estudo publicado na editora académica
Springer Nature, Félix Rodrigues, foram analisados 64 esqueletos humanos
dos dois concelhos da ilha Terceira: 44 provenientes de Angra do
Heroísmo e 20 da Praia da Vitória, onde se localiza a Base das Lajes,
pertencendo os restos mortais não reclamados a uma coleção criada em
2023 pelos dois municípios.Os moldes em que esta análise decorreu
levou o investigador Alexandre Monteiro do Instituto de Arqueologia e
Paleociências da Universidade Nova de Lisboa, a enviar um pedido de
esclarecimentos à Springer Nature, para o qual ainda aguarda resposta.Para
Alexandre Monteiro, tendo em conta que a análise recaiu sobre
esqueletos de pessoas nascidas entre 1922 e 1984, que faleceram entre
2005 e 2013, e portanto são “potencialmente identificáveis”, é urgente
perceber se foram adquiridas todas as “autorizações éticas e legais”,
assim como os devidos “consentimentos” para o tratamento dos restos
mortais.O investigador questiona se o estudo em causa foi submetido à
análise e supervisão de um comité de ética institucional e se as
autorizações municipais concedidas tinham como fim específico a análise e
manuseamento científico dos esqueletos humanos.No esclarecimento
pedido à revista científica, Alexandre Monteiro questiona ainda se os
restos mortais podem mesmo ser considerados “abandonados” e que esforços
foram feitos para contactar os seus familiares, levantando ainda
dúvidas sobre um possível “conflito de interesses” no estudo pelo facto
de o seu autor constituir também o curador da coleção municipal.“O
facto de o curador da coleção — que também é o autor principal do estudo
— ser descrito no artigo científico como o único responsável por
determinar as permissões de pesquisa e análise levanta preocupações
sobre a independência da supervisão ética”, considera o investigador.Em
esclarecimentos ao Açoriano Oriental, Félix Rodrigues descarta as
críticas e frisa que, “tanto pela natureza do estudo quanto pelas
exigências das instituições envolvidas, o projeto teve de ser
obrigatoriamente escrutinado e aprovado em diversas instâncias”, tendo
em conta as “questões éticas e legais” deste estudo são “centrais”.Segundo
o antropólogo forense, “testar se a população da Praia da Vitória foi
ou não exposta a contaminantes resultantes da atividade militar da Base
das Lajes é uma questão de interesse público”.O investigador garante
ainda que o estudo se baseia em esqueletos considerados “legalmente
abandonados”, descartando a necessidade de “aprovações adicionais” além
das que foram requeridas. “Enquanto curador, a minha
responsabilidade é tomar uma decisão sobre os estudos propostos por
terceiros, sempre tendo em vista o cumprimento das normas legais e
éticas. No caso da investigação em questão, esses pressupostos são
evidentemente cumpridos e, portanto, não houve necessidade de solicitar
aprovações adicionais”, justificou ao jornal.Recorde-se que a
investigação de Félix Rodrigues utilizou espetroscopia de fluorescência
de raios-X para medir a concentração de metais pesados em ossos humanos e
assentou na coleção de esqueletos humanos da ilha Terceira, criada em
2023.Aquela coleção, que resultou de uma colaboração entre as duas
autarquias da ilha, conta com 151 exemplares com proporcionalidade entre
os sexos e idades entre os 26 e os 98 anos.“Para o meu doutoramento
achei que era uma boa oportunidade de os Açores terem uma coleção
própria, não só para desenvolver a área da antropologia forense nos
Açores, que não existia, mas também para explorar um conjunto de
questões acerca da população terceirense”, explicou.Depois da
realização deste estudo, o investigador defende agora que sejam
realizados novos estudos e análises com a “população viva” para
aprofundar o impacto da presença norte-americana na Terceira.