Especialista pede mais resposta na saúde e na habitação para indigentes em Ponta Delgada
18 de ago. de 2022, 15:02
— Lusa/AO Online
Em
declarações à agência Lusa, o professor universitário sublinha que a
“perceção das pessoas que trabalham no terreno” é que o número de
pessoas em situação de indigência está a aumentar na maior cidade
açoriana.Paulo Fontes evoca o estudo que
coordenou para a Associação Novo Dia, referente a 2020, que identificou
493 sem-abrigo nos Açores: 75,7% estavam na ilha de São Miguel, 69,8% no
concelho de Ponta Delgada.“Estes
problemas são muito mais profundos do que uma questão de polícia só
porque não quero um sem-abrigo na minha rua. Isso tem a ver com o acesso
à habitação, com acesso ao emprego e ao suporte social e de saúde”,
declara.A situação dos indigentes na baixa
de Ponta Delgada motivou uma petição, subscrita por mais de 90 pessoas,
incluindo o presidente do município, Nascimento Cabral, a solicitar
mais policiamento nas ruas, conforme noticiou o Açoriano Oriental a 30
de julho.A Policia de Segurança Pública
(PSP) dos Açores reagiu em comunicado, lembrando que a condição de
sem-abrigo ou de mendicidade “não representa por si só um quadro
criminal ou sequer contraordenacional, mas sim um problema de cariz
social, pelo que não se enquadra nas competências legais atribuídas à
polícia”.Paulo Fontes mostra-se “admirado”
com o facto de o presidente do município ter assinado a petição,
considerando que “não faz sentido canalizar” a situação dos sem-abrigo
ou dos pedintes para o foro policial.O
sociólogo reforça que a “presença da polícia não resolve quem tem fome”,
tal como não responde a quem tem problemas de toxicodependência e quem
precisa de um sítio para dormir.“Evidentemente
que a maior parte das pessoas se sente mais segura na presença da
polícia e pode haver algum comportamento menos correto que não ocorra na
presença da PSP. Mas a polícia não pode estar em todo o lado. A
verdadeira segurança não é aquela que precisa da presença da polícia”,
sublinha.Para justificar o número de
indigentes em Ponta Delgada, o docente da Universidade dos
Açores destaca a “enorme desigualdade social” em São Miguel e os “preços
caríssimos da habitação”, devido à “especulação do turismo”.“Muitas
vezes diz-se que os sem-abrigo estão na rua porque querem. Que é uma
questão de escolha. Mas só é uma questão de escolha dentro de um leque
muito reduzido. Não têm casa, não têm família, nunca tiveram um
tratamento igualitário. A meritocracia não é igual para todos”, declara.Segundo
dados da Pordata, os Açores são a segunda região do país com maior
nível da desigualdade de rendimentos (33%), apenas superados pela zona
Centro (33,3%), tendo ainda uma taxa de exclusão social (27,7%) superior
à média nacional (de 22,4%).O professor
universitário alerta que muitos indigentes têm “problemas graves” de
toxicodependência, defendendo a inclusão destes doentes no Serviço
Regional de Saúde (SRS).“Em Ponta Delgada é
difícil ter acesso aos tratamentos. Temos instituições particulares que
fazem o tratamento, mas não temos o acesso ao SRS para o
toxicodependente”, explica.Por isso,
prossegue, é preciso dar um “tratamento digno” a estes casos, através,
por exemplo, da prestação do serviço de metadona nos centros de saúde e
“não numa carrinha” ou num “lugar escondido”.“Para
mim, isso resolvia parte dos problemas de Ponta Delgada, se existisse
este acesso especializado, com consultas de toxicodependência e saúde
mental”, refere Paulo Fontes.O sociólogo
aponta ainda a necessidade de reforçar os apoios sociais e de criar
espaços de habitação a um “preço justo”, notando que não se sabe se os
“sem-abrigo vão ser incluídos nas verbas do Plano de Recuperação e
Resiliência” destinadas à habitação.