Espanha e Marrocos põem fim a crise bilateral com primeira cimeira em oito anos
1 de fev. de 2023, 12:31
— Lusa/AO Online
A
crise mais recente entre Espanha e Marrocos estalou em abril de 2021,
por causa de o líder do movimento independentista sarauí Frente
Polisário, Brahim Ghali, doente com covid-19, ter sido tratado num
hospital espanhol.A Frente Polisário
defende a autodeterminação do povo sarauí e a independência do Saara
Ocidental, uma antiga colónia espanhola ocupada por Marrocos há quase 48
anos, no contexto de um processo de descolonização.O
diferendo estendeu-se até março de 2022 e terminou por iniciativa de
Espanha, depois de Marrocos tem feito sentir ao vizinho espanhol como o
controlo da imigração ilegal nas fronteiras partilhadas ou as trocas
comerciais dependiam de boas relações diplomáticas.Nesse
período de crise, as trocas comerciais caíram, Marrocos fechou fábricas
espanholas que estavam no país e permitiu a passagem, em maio de 2021,
de milhares de pessoas, a maioria, menores não acompanhados, pelas
fronteiras de Ceuta e Melilla, duas cidades espanholas no norte de
África, rodeadas de território marroquino e as únicas fronteiras
terrestres da União Europeia (UE) com o continente africano.Para resolver o diferendo, Espanha usou precisamente, como moeda de troca, o Saara Ocidental.Em
março de 2021, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, enviou uma
carta ao Rei marroquino, Mohamed VI, na qual afirmava que a proposta
apresentada por Rabat em 2007, para que o Saara Ocidental seja uma
região autónoma controlada por Marrocos, é "a base mais séria, credível e
realista para a resolução deste litígio".Espanha
defendia até então que o controlo de Marrocos sobre o Saara Ocidental
era uma ocupação e que a realização de um referendo patrocinado pela ONU
deveria ser a forma de decidir a descolonização do território.Sánchez
visitou Rabat em abril e os dois países fizeram uma declaração conjunta
que normalizou o tráfego fronteiriço e as relações bilaterais.Nessa
declaração, Marrocos reconheceu implicitamente ter fronteiras
terrestres com Espanha, ao acordar a instalação de alfândegas em Ceuta e
Melilla, territórios que tradicionalmente reclama, considerando-as
"cidades ocupadas".Em 2022, as trocas
comerciais entre os dois países aumentaram 33% em relação a 2021,
alcançando os 10 mil milhões de euros, e os fluxos migratórios ilegais
que chegaram a Espanha desde Marrocos diminuíram 25%.A
cooperação neste âmbito e o novo estado das relações bilaterais ficaram
bem patentes em 24 de junho do ano passado, quando milhares de pessoas
tentaram saltar a vedação da fronteira de Melilla e pelo menos 23
migrantes morreram.Organizações
não-governamentais (ONG) têm denunciado a repressão violenta dos
migrantes naquele dia, com acusações de tortura às polícias dos dois
países, mas os dois Governos saudaram a cooperação bilateral e
defenderam a atuação policial.Para a
cimeira que hoje arranca em Rabat, e que se vai prolongar até
quinta-feira, o socialista Pedro Sánchez levará consigo 12 ministros,
nenhum deles do parceiro de coligação no Governo espanhol, a Unidas
Podemos, que discorda da mudança de posição em relação ao Saara
Ocidental.A cimeira, que os dois países
designam como Reunião de Alto Nível, vai também realizar-se num momento
de tensão de Marrocos com a UE, por causa do alegado envolvimento de
Rabat no escândalo de corrupção "Qatargate", relacionado com alegados
subornos de elementos do Parlamento Europeu.O
Parlamento Europeu aprovou recentemente uma resolução em que pede a
Marrocos para respeitar a liberdade de expressão, contra a qual votaram
os eurodeputados do Partido Socialista espanhol, liderado por Sánchez.A
cimeira arranca hoje à tarde com um fórum empresarial em que estarão
presentes Sánchez e o seu homólogo marroquino, Aziz Ajanuch, e termina
na quinta-feira com a assinatura de 20 acordos de cooperação.