Erupção do vulcão dos Capelinhos foi há 60 anos e provocou “horas de ansiedade”
26 de set. de 2017, 09:28
— Lusa/AO Online
“Como noticiámos, desde há dois
dias, quase ininterruptamente, nas freguesias do Capelo e Praia do
Norte, a terra tem tremido, pondo em sobressalto as respetivas
populações que, assustadas, abandonaram as suas casas, percorrendo as
ruas com o emblema do Divino Espírito Santo a implorar a Misericórdia
Divina”, relatou o jornal na edição de 28 de setembro de 1957.O
jornal, com sede na Horta, Faial, contava que no dia anterior, pelas
06:45, “essa ansiedade aumentou, ao ser avistado a 100 metros a nordeste
dos ilhéus dos Capelinhos o mar em ebulição expelindo escórias que eram
projetadas a alguns metros de altura”.“O mar no ponto da erupção
tem cerca de 50 braças de profundidade”, lia-se no matutino,
acrescentando que “o facto, como era de prever, causou grande pânico na
população daquelas freguesias e sobressalto na cidade e em toda a ilha”.Segundo
O Telégrafo, “os baleeiros, que [estacionavam] no Comprido, e suas
famílias, abandonaram imediatamente aquela estação”, enquanto a torre do
farol “oscilava de uma forma assustadora”.A erupção do vulcão
dos Capelinhos começou a 27 de setembro de 1957 e, um ano depois,
começou a perder força. A 24 de outubro de 1958 ocorreu a última emissão
de lavas e o vulcão adormeceu.Em entrevista à agência Lusa, o
docente da Universidade dos Açores Rui Coutinho referiu que na sequência
da erupção houve a evacuação de alguns lugares, tendo sido retiradas
1.712 pessoas e meio milhar de cabeças de gado, do Norte Pequeno, Canto e
Capelo.Citando um texto que elaborou para o Núcleo Cultural da
Horta, a propósito dos 60 anos da erupção, Rui Coutinho explicou que,
então, o governador civil do distrito da Horta, Freitas Pimentel,
manifestou numa reunião com várias entidades a “intenção de criar um
plano de intervenção” que “evitasse surpresas” e “garantisse estarem
preparadas para situações futuras.Num testemunho que Rui Coutinho
recolheu de Norberto Fraião, à data da erupção funcionário da Federação
de Municípios, este assinalou que “as areias é que eram o grande
problema, porque destruíam as estradas e quando se acumulavam nos
telhados faziam com que estes se abatessem”.Rui Coutinho,
doutorado em Vulcanologia, lembrou que, a 17 de dezembro de 1957,
emigrantes portugueses residentes na Califórnia doaram dinheiro para o
Natal dos sinistrados, tendo, na resposta de agradecimento, o governador
civil transmitido que “nada faltava” àqueles - “os que podiam trabalhar
tinham obras do Estado em curso” e, apesar de a oferta ter chegado após
o Natal, este foi devidamente comemorado no Capelo.O
investigador referiu que, na noite de 12 para 13 de maio de 1958, quando
ocorreram cerca de 450 eventos, o pároco da Praia do Norte “absolveu
coletivamente os pecados do povo”, uma ação que “causou pânico
generalizado”, mas a imprensa local e a afixação de avisos de parede
foram utilizados para acalmar a população.A 15 de maio de 1958
chegou à Horta o ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, que
anunciou “um exaustivo plano de recuperação e reconstrução”, ao mesmo
tempo que continuou a doação de alimentos a vestuário, tendo ainda o
cônsul dos Estados Unidos da América visitado os Açores nesse mês para
“discutir a emigração para o país”.Rui Coutinho adiantou que
“cerca de 40% da população ativa emigrou do Faial em consequência da
erupção”, estimando os “custos quantificáveis” da erupção em dois
milhões de dólares americanos à data, o que seriam hoje 15,4 milhões de
dólares.Porém, “muitos outros custos indiretos ou não
quantificados ficaram por contabilizar”, como a perda de receitas
fiscais, de rendimentos, as verbas atribuídas à população para limpezas
de vias e casas, entre outros, além dos “custos suportados pelos
cidadãos”, seus familiares ou famílias de acolhimento.Rui
Coutinho considerou que “no contexto austero do Estado Novo a resposta
do Governo foi generosa”, para considerar como “absolutamente espantoso”
que não tenha havido uma única vítima mortal num acontecimento que
marcou os Açores e no qual considera que se destacaram duas
personalidades: Frederico Machado, pelos contributos
técnico-científicos”, e Freitas Pimentel, o governador civil responsável
pela “gestão da crise”.