Entre a hipocrisia, o encolher de ombros e os direitos humanos
Mundial2022
21 de nov. de 2022, 15:12
— Lusa/AO Online
Desde
que foi escolhido para organizar o “Mundial2022”, o Qatar tem sido alvo
de várias críticas de inúmeros quadrantes, nomeadamente no que diz
respeito às suas posições em matéria de direitos humanos, das questões
LGBTQ+ e de abuso sobre os trabalhadores migrantes.Vários
países anunciaram a intenção de não comparecer no Campeonato do Mundo
no Qatar, que se prolonga até 18 de dezembro, em particular para
lamentar o desrespeito aos direitos humanos. Outros, ao contrário, irão à
competição sem fazer perguntas.As listas
de países e de instituições para um e outro caso são longas e, se o
secretário-geral das Nações Unidas, o antigo primeiro-ministro português
António Guterres, chegou ao Qatar na véspera do arranque da prova, em
que Portugal está envolvido, nem um dos quatro principais dirigentes da
União Europeia (UE) marcará presença no “Mundial”, justificando a
ausência com a falta de respeito pelos direitos humanos.Isso
mesmo escreve esta segunda-feira o EUObserver, destacando que os presidentes da
Comissão da UE, Ursula von der Leyen, do Conselho da UE, Charles Michel,
e do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, bem como o chefe de
diplomacia europeia, Josep Borrell, destacaram-se nas críticas a um
emirado que, em tempos de plena crise energética, é um dos mais ricos em
gás.Von der Leyen é alemã, Michel é belga
e Borrell é espanhol – as três seleções estão presentes no “Mundial” –
e, assim como a maltesa Metsola, assumiram que, mesmo que as respetivas
equipas cheguem longe na prova “nenhum tem, atualmente, planos para
viajar para o Qatar.Resumindo o pensamento
dos quatro líderes da UE, Michel desejou que a prova constitua um
êxito, mas, implicitamente, deixou no ar que as razões são uma forma de
protesto aos amplamente casos divulgados de abuso de trabalhadores
migrantes no Qatar ou pelo facto de se desrespeitar os direitos da
comunidade LGTBQ+.Em contraste, no meio de
polémica, os três líderes do poder político em Portugal, Estado membro
dos 27, já manifestaram a vontade em acompanhar os jogos de seleção
portuguesa, através do chefe de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, o
presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, e do primeiro-ministro
António Costa.“O Qatar não respeita os
direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal..., mas, enfim,
esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa”, disse
Rebelo de Sousa, gerando críticas de vários quadrantes da sociedade
civil, que pediu aos três líderes para que boicotem o evento.A
Assembleia da República votará na terça-feira sobre a deslocação ao
Catar do Presidente, que na sexta-feira lembrou que “tradicionalmente”,
deslocam-se aos campeonatos de futebol “o senhor presidente da
Assembleia da República e com o senhor primeiro-ministro” e o Presidente
da República em “jogos diferentes”.Marcelo
deverá estar no jogo de abertura, na próxima quinta-feira, Augusto
Santos Silva deverá ver jogar a seleção no dia 28 e António Costa, no
dia 02 de dezembro.O novo
primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, deixou claro que ”não planeia”
deslocar-se ao Qatar, sem, porém, indicar claramente o motivo ou se
poderia mudar de opinião e, em França, a polémica em torno das
declarações do Presidente francês, Emmanuel Macron (disse que iria ao
Qatar se os gauleses se qualificarem para as meias-finais), “irritou
muitos”, escreve o Le Parisien.“Não
devemos politizar o desporto”, justificou Macron, rejeitando a ideia do
boicote, apesar do desrespeito dos direitos humanos por parte do Qatar,
da discriminação do Estado e das muitas mortes em estaleiros de obras,
pondo ainda em causa se a presença no emirado será sinónimo de
tolerância para com o regime de Doha.Mas a
lista de países que estarão representados no Qatar é bem maior, tanto
que é difícil fazer uma exaustiva. Os Estados Unidos estiveram presentes
com o secretário de Estado Anthony Blinken, que permanecerá no emirado
pelo menos até ao primeiro jogo dos norte-americanos, terça-feira,
contra o País de Gales.Futebol à parte, o
Qatar tem a segunda maior reserva de gás natural do mundo, depois da
Rússia, mas nem isso fez demover os principais dirigentes da UE, que
luta por encontrar fornecedores alternativos devido à invasão da Ucrânia
pelo exército russo e com o inverno a aproximar-se no hemisfério norte.O
Presidente russo, Vladimir Putin, é um dos ausentes, mas telefonou ao
emir do Qatar, xeque Tamim bin Hamad Al Thani, para lhe dar os parabéns
pelo emirado ser o país-sede da prova e a desejar sucesso à seleção
local.O certo é que a sessão de abertura
do “Mundial”, na tarde/noite de domingo, cujo jogo inaugural opôs o
anfitrião Qatar ao Equador (a seleção sul-americana venceu por 2-0 e o
Presidente equatoriano, Guilhermo Lasso, esteve ausente alegando os
recentes episódios de violência e insegurança no país – “a prioridade é
resolver esta questão"), contou com a presença de “uma série de Suas
Majestades, Altezas e Excelências Chefes de Estado e Chefes de
Delegações de países irmãos e amigos”, lembrou a Al Jazeera.Além
de Guterres, estiveram na cerimónia os presidentes do Ruanda,
Palestina, Argélia, Turquia e Egito, bem como o príncipe herdeiro
saudita.Neste contexto, as autoridades do
Qatar, assinalando que não fecham as portas a “críticas construtivas”,
lamentaram a “politização” do evento e as “campanhas de difamação” ao
emirado, sendo expoente disso as palavras do ministro dos Negócios
Estrangeiros, o xeque Mohammed bin Abdulrahman Al-Thani.“Há
muita hipocrisia nesses ataques, que ignoram tudo o que conquistamos”,
afirmou o xeque, a 04 deste mês, mais de duas semanas antes do início da
prova, lamentando os vários boicotes, sob pretexto também das “alegadas
violações dos direitos humanos”Depois de
uma cerimónia de abertura em que se falou sobre a inclusão da tradição
beduína – dentro de um estádio projetado para se parecer com uma tenda
tradicional –, as autoridades do Qatar deixaram uma mensagem de
esperança: “como é bonito as pessoas deixarem de lado o que as divide
para celebrar a diversidade e o que as une ao mesmo tempo.