“Enquanto a Azores Airlines se mantiver pública, nunca vai capitalizar as oportunidades de crescimento”

7 de ago. de 2022, 00:00 — Rui Jorge Cabral/Paulo Simões

Quando abordou as linhas gerais do Plano Estratégico e de Reestruturação da SATA com o presidente do Governo e com os líderes parlamentares, disse que pretendia poupar 68 milhões de euros até 2025, com a redução de custos operacionais e colocar a SATA a dar lucro no final de 2022. Nesta altura do ano, acredita que a companhia está em condições de cumprir o objetivo de dar lucro já neste ano?O Plano de Reestruturação foi feito com um conjunto de pressupostos que se verificavam na altura e os pressupostos mantêm-se com a exceção de um, que é particularmente significativo: o custo do combustível. Se olharmos para os resultados do 1.º semestre de 2022, há duas coisas que estão a correr bastante bem e uma coisa que está a correr muito mal. Das coisas que estão a correr bastante bem, a primeira é a receita, que está acima do previsto no Plano e em linha com o que tínhamos dito logo no início, que era o de que havia um enorme potencial de receita no Grupo SATA. A outra parte que está a correr muito bem é a da generalidade dos custos, porque tipicamente nestes processos, o que está no papel é muito agressivo, mas depois a execução não consegue acompanhar... Mas no nosso caso, as coisas estão a correr bem, com os custos a acompanhar e até ligeiramente abaixo do que está no Plano de Reestruturação. O que é que está a correr mal e que ninguém na altura conseguia antecipar? O custo com o combustível, que está drasticamente acima do que era expectável, o que pode levar a uma revisão e a que a Comissão Europeia aceite uma revisão deste custo. Portanto, a maior receita e a poupança nos outros custos podem não compensar em 2022 o custo do combustível, de modo a permitir atingir o equilíbrio ou dar lucro.Na realidade, o plano aprovado em Bruxelas prevê isso no final de 2023, pelo que nós é que temos internamente um plano mais agressivo, que previa que se conseguisse dar lucro no final de 2022.Na passada semana, ficámos a conhecer os resultados do Grupo SATA do 1.º semestre deste ano. A SATA tem uma receita consolidada de 107,9 milhões de euros, mas houve lucro resultante desta receita?O ano de 2022 foi o primeiro desde 2020 em que começámos, de facto, a ter condições para operar em normalidade  e no primeiro semestre, que agora terminou, o tráfego ficou ligeiramente abaixo de 2019, estamos a falar de 2 por cento abaixo, não é uma diferença material...E a receita subiu muito mais... Mas gostaria de recordar que os resultados de 2020 e 2021 apenas servem para dar corpo ao ‘milagre’ de estarmos aqui a falar sobre a SATA... Porque acho que as pessoas não têm essa noção... E é muito importante frisar isso: estarmos aqui a falar sobre a SATA, com a SATAa operar com a normalidade com que está a operar é um ‘milagre’... Vejamos: no final de 2019, o Grupo SATA fechou as contas com capitais próprios negativos de 230 milhões de euros! E o modo como eu ilustro isto para os meus colegas trabalhadores da SATA é o de imaginarmos que éramos, pessoalmente, responsáveis por esta dívida: se cada um de nós - que eram 1400 na altura - vendesse tudo o que tem e só ficasse com a roupa que tem no corpo, ainda assim ficaria a dever 150 mil euros ao banco! Isso leva qualquer um ao desespero... Portanto, estar a operar nestas condições já é um ‘milagre’...E o que aconteceu a seguir? Viemos a constatar, pouco tempo depois, que afinal não eram 230 milhões, mas sim 300 e muitos, porque havia uma parte significativa que não estava lá registada... Portanto, os 150 mil euros que cada um de nós devia ao banco, afinal são 200 e tal... Depois, veio ainda a Covid, que parece que muita gente já esqueceu, mas que nos paralisou durante mais de dois anos... Por isso e citando o texto da Comissão Europeia, conservadoramente, a Covid custou ao Grupo SATA 215 milhões de euros de receita perdida, dos quais nós recebemos 12... Por isso, com 230 milhões de euros negativos à partida, mais cento e tal que não estavam lá e mais 215 de receitas perdidas, do que estamos aqui a falar é de um ‘milagre’... Voltando à questão do lucro: como é que a SATA fechou o 1.º semestre deste ano em termos de resultado líquido consolidado?Se tivermos em consideração os juros, as amortizações, etc., o resultado líquido ainda é negativo. Mas mesmo sem avançar com um valor, pode adiantar se o resultado líquido está em linha com a sua expectativa ou se, pelo contrário, continua a ser motivo de forte preocupação?Está em linha com o que está no Plano de Reestruturação de Bruxelas...Falava há pouco da questão dos combustíveis, que têm sofrido os efeitos da inflação. Em que medida esta situação afeta o futuro da SATA? Poderá pôr mesmo em risco o trabalho que tem sido desenvolvido?Em risco, acho que não, mas pode condicionar significativamente... Todos estes fatores (relacionados com a inflação)  vão ter impacto na procura e na disponibilidade e capacidade das pessoas irem de férias... E embora em julho e agosto não estejamos a sentir uma retração de tráfego, que ainda está muito forte, no último quadrimestre/trimestre, o tráfego já não está tão forte como gostaríamos que estivesse... Contudo e porque há muita gente ainda com poupanças acumuladas nos últimos dois anos e com disponibilidade para viajar - portugueses e estrangeiros - acredito que em 2022, com os dados que nós temos, o tráfego vá ficar entre 10 a 15% acima de 2019. E como acredito que o preço do combustível, como está, é insustentável a prazo, quando voltarmos à normalidade, chamemos-lhe assim, a Azores Airlines tem condições para ser perfeitamente sustentável. O Plano de Reestruturação da SATA prevê, entre outras decisões, a privatização de 51% do capital da Azores Airlines. Em que ponto está o caderno de encargos desta privatização e quando prevê que ela possa estar concluída?O caderno de encargos é uma responsabilidade do Governo Regional (acionista)... O prazo formal é até ao final de 2025, mas a nossa recomendação é a de que a privatização da Azores Airlines seja o mais rapidamente possível. Para que fique claro, o Conselho de Administração é 100% a favor da privatização. E isso não tem nada a ver com ideologia. Tem a ver apenas com o facto  do Grupo SATA ter enormes oportunidades de crescimento, na rede, na manutenção, na formação, em serviços partilhados, no handling e por aí fora...Mas enquanto a SATA/Azores Airlines se mantiver pública, o acionista nunca vai conseguir capitalizar estas oportunidades de crescimento... E porquê? Porque há uma agenda política a gerir e de cada vez que o Governo quiser investir mais um euro na SATA, vai haver alguém que diz: então e esta escola, este hospital e esta estrada?Eu entendo isso perfeitamente, mas o que isso quer dizer é que a SATA não vai conseguir crescer... E se não conseguir crescer vai definhar e o caminho é inevitável: a empresa vai ao chão! Porque uma companhia aérea com oito aviões a operar em mercado aberto não tem como se sustentar a longo prazo. As preocupações já manifestadas pelos sindicatos relativamente ao futuro dos trabalhadores no processo de privatização da Azores Airlines têm razão de ser?Acho que não... Como há pouco referi e como também já disse aos sindicatos, a administração é a favor da privatização porque ela vai gerar emprego, crescimento e riqueza para todos os atores envolvidos e o que antevejo é um processo aberto, transparente e participativo, em que toda a gente diga o que tem a dizer.  E a minha expectativa não é apenas a de que a privatização seja boa, mas sim a de que eu tenho que trabalhar  para que seja boa. Se isso acontecer, será bom para os trabalhadores na generalidade e, sendo bom para os trabalhadores, é bom para os sindicatos. No passado, foi muito criticada a intromissão do Governo Regional na gestão da SATA, intromissão considerada, de certa forma, como responsável pela situação financeira a que a companhia chegou. Algumas das suas decisões foram sugeridas pelo atual Governo?Não. Houve pedidos para avaliar duas ou três rotas, nós avaliámos e há situações em que dizemos ‘não faz sentido’ e não fazemos e há situações em que dizemos que pode fazer sentido, mediante certas condições... Mas se a rota for claramente deficitária, é para não fazer. Ponto! Não há discussão sobre isso. O nosso objetivo é pôr a SATA e principalmente a Azores Airlines no sítio certo e acho que o acionista Governo tem percebido e respeitado isso na generalidade. Sobre a questão do avião cargueiro, que a SATA vai operar através da transformação de um avião Dash, qual é o custo desta operação?O custo pode ir de uma coisa muito simples e pouco ou mesmo não dispendiosa até uma coisa muito complexa e muito dispendiosa. Nós não queremos ir por aí, como é obvio...Todo este tema é uma incógnita. O que é mais fácil de fazer e que é mais barato e flexível é pegar num dos aviões Dash atuais durante o inverno e transformá-lo em cargueiro, como aliás já aconteceu na pandemia. Hoje, há kits para fazer isso e não representa problema nenhum...Nós podemos fazer essa adaptação e ver o que é que acontece. Já tivemos a experiência de operar durante a pandemia e temos a expectativa de que isso seja um incentivo ao desenvolvimento da produção local e um estímulo à exportação da Região. Portanto, o mercado pode ir para níveis muito maiores do que aqueles em que estamos hoje e, com um tarifário ajustado, as coisas podem equilibrar-se. Olhando, por fim, para a SATA Air Açores, que faz as ligações interilhas, a frota atual é a ideal ou serão necessários mais  aviões, tendo em conta o aumento do fluxo turístico que se tem vindo a registar e também a Tarifa Açores a 60 euros?Para já, temos desde a passada semana mais um aparelho, que é aliás uma obrigação do caderno de encargos, porque quando a procura e as listas de espera excedem um determinado nível, nós somos obrigados a acrescentar mais capacidade. E se o ritmo de crescimento do tráfego interilhas continuar como está, em breve, em 2023 não sei, mas se calhar em 2024, em vez de sete aviões durante o verão, iremos precisar de oito... Mas o que precisamos definitivamente, enquanto Região, é de trabalhar no desenvolvimento sustentado fora do pico do verão.