Empresário português "sequestrado" na Guiné Equatorial apresenta queixa contra justiça do país
28 de dez. de 2022, 18:09
— Lusa/AO Online
A
queixa sublinha a atuação “surpreendente e inexplicável” de uma juíza
do Tribunal de Primeira Instância e Instrução de Luba - localidade onde
Pimentel se encontra detido numa esquadra de polícia, sem acusação, há
19 dias –, que, no primeiro momento em que recebeu a informação da
“detenção ilegal” do empresário, no passado dia 15, não deu ordem para a
sua libertação “imediata”, de acordo com o documento hoje entregue à
Procuradoria-Geral da República (PGR), a que a Lusa teve acesso.A
decisão da juíza, de acordo com o mesmo texto, mostra que a magistrada
tomou uma decisão “influenciada por um agente ou fator interno ou
externo”, numa “violação clara do princípio de independência judicial
dos juízes e magistrados”. O caso envolve o
diretor-geral equato-guineense das Obras Públicas, Justino Nchama Ondo,
sobrinho do Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, que
no dia 09 “sequestrou” o empresário português, com o apoio de dois
homens, num hotel em Malabo, de acordo com o texto de uma queixa
anterior de Nuno Pimentel ao Tribunal de Primeira Instância e Instrução
de Luba no passado dia 23, consultado pela Lusa.Nessa
queixa Pimentel relata que foi “torturado”, tendo-lhe sido infligidas
“lesões graves”, e levado para Luba, uma cidade a cerca de 50
quilómetros da capital, onde foi deixado na esquadra principal local.O
empresário apresentou provas médicas das agressões a que foi sujeito,
comprovadas por uma médica do Hospital Jorge Gori, em Luba, Ifigénia
Foro Bosaho, assim como fotografias de extensos hematomas nas costas e
coxas, a que a Lusa também teve acesso.Nuno
Pimentel solicitou nessa queixa ao tribunal de Luba a “detenção e
acusação dos presumíveis culpados dos delitos” descritos na peça
judicial - Justino Nchama Ondo, Felipe Esono Owondo e Roberto Nve, e
ainda o comissário que dirige a esquadra principal de Luba, onde o
empresário português ainda se encontra.Numa
primeira petição à PGR, apresentada no passado dia 21 e não atendida
até agora, Pimentel instou a entidade a ordenar a sua “libertação
imediata”, atendendo a que o próprio tribunal de Luba reconheceu a sua
detenção na esquadra de polícia local por uma disputa legal do foro
civil com Justino Nchama Ondo, que decorre num tribunal em Primeira
Instância de Malabo.Segundo a organização
Associação Internacional contra a Corrupção (IAAC, na sigla em inglês), o
empresário português está a ser submetido a “atos de tortura” por “se
recusar a ceder às solicitações de corrupção e pagamento de impostos
revolucionários” por altos quadros da administração equato-guineense.A
organização não-governamental (ONG) de combate à corrupção com sede em
Paris é presidida por Joaquinito Maria Alogo de Obono, neto do
Presidente equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.De
acordo com Alogo de Obono, advogado especializado em direito
internacional e professor na Universidade de Paris X, que denunciou o
caso em declarações à Lusa, Nuno Pimental está a ser alvo de “extorsão”
num processo de corrupção “clássico e muito conhecido na Guiné
Equatorial”.A vida de Nuno Pimentel na
Guiné Equatorial começou a complicar-se, segundo o neto de Teodoro
Obiang - que expôs o caso a várias instituições internacionais e
instâncias diplomáticas – quando no final de 2021 tentou adquirir um
navio entregue à sucata pelo Estado equato-guineense.Nuno
Pimentel assinou entre setembro e dezembro de 2021 sucessivos contratos
– desde o contrato de promessa de compra e venda, à compra efetiva, com
prova de pagamento reconhecido e ata de entrega do navio - com o
Ministério dos Transportes equato-guineense, na pessoa do próprio
titular da pasta, Rufino Ovono Ondo Engonga, a compra de um navio por
350 milhões de francos cfa (cerca de 534 mil euros), de acordo com
vários documentos a que a Lusa teve acesso. Um
mês depois, no final de janeiro deste ano, o ministro evocou
“irregularidades” na empresa do empresário português, Tropikal Services,
S.L., e exigiu-lhe mais 150 milhões de francos cfa (cerca de 229 mil
euros) como condição para libertar o navio. Nuno
Pimentel não só recusou pagar, como se queixou do procedimento à
Presidência do país, que em carta enviada ao seu membro do Governo em 27
de janeiro o instou a “suspender a reclamação exercida contra a
Tropikal Services S.L. exigindo um montante adicional ‘post’ contrato de
150 milhões de francos cfa”, por “ser um procedimento ilegal e contra a
normativa jurídica em vigor”.Na sequência
desta instrução da Presidência do país, Rufino Ovono Ondo Engonga
denunciou o contrato com Nuno Pimentel e vendeu o navio a um investidor
nigeriano, de acordo com o empresário português, que desde então
reclama, sem sucesso, a devolução dos 350 milhões de francos cfa
depositados na Tesouraria Geral do Estado em dezembro de 2021, cuja
confirmação a instituição emitiu em 15 de julho deste ano. A
carta dirigida a Teodoro Obiang “foi o maior erro” de Nuno Pimentel, na
opinião do presidente da IAAC. Desde então, o empresário foi espancado e
detido diversas vezes, incluindo numa das prisões com pior reputação em
todo o mundo, conhecida como ‘Black Beach’, em Malabo.“Trata-se
de um caso clássico e muito conhecido na Guiné Equatorial. Nuno é um
empresário que comprou um barco por 350 milhões de francos cfa, o barco
nunca lhe foi entregue, e só o seria se ele tivesse entregue luvas de
150 milhões de francos cfa”, explicou à Lusa Alogo de Obono. “Como
Nuno recusou, e ameaçou queixar-se à CPLP [Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa] de um tratamento a que estava a ser sujeito – a
saber, um caso de corrupção – foi sequestrado, torturado, colocado sob
detenção em ‘Black Beach’, de manhã à noite levam-no de uma esquadra a
outra para o torturar para o fazer vergar mentalmente”, acrescentou.O
Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal reiterou esta quarta-feira à Lusa
as declarações anterior do ministro João Gomes Cravinho na semana
passada, segundo as quais o Governo português está “a acompanhar esta
situação com toda a intensidade que ela merece”, sem acrescentar outras
informações.“Sabemos perfeitamente que a
Guiné Equatorial é um país que tem grandes desafios em matéria de Estado
de Direito. Há lacunas em matéria de Estado de Direito na Guiné
Equatorial e isso é mais razão ainda para a diplomacia estar ativa como
está”, acrescentou Cravinho na passada sexta-feira.