Autor: Cristina Pires - Açores TSF/Paula Gouveia - Açoriano Oriental
Francisco César é novamente o cabeça de lista do Partido Socialista pelo círculo eleitoral dos Açores. Estas eleições podiam e deviam ter sido evitadas em nome da estabilidade e do superior interesse do País?
Deviam e podiam. Bastava que o Governo não tivesse apresentado uma Moção de Confiança. Sobre isso nós fomos sempre muito claros e o PS foi garante da estabilidade durante toda esta legislatura. Nós conseguimos garantir que o programa do Governo não fosse chumbado. (...) Conseguimos resolver o problema do presidente da Assembleia da República (AR), porque o PSD e o CDS não falaram com ninguém para garantir um presidente da AR, e nós é que nos disponibilizamos para isso - eu sei porque estive nesse processo. No Orçamento do Estado, nós é que tivemos de resolver o problema mais uma vez, em nome da estabilidade. E ainda chumbámos duas moções de censura. Mas sempre dissemos: não nos peçam para votar a favor de uma Moção de Confiança. (...) Ao apresentar uma Moção de Confiança, o governo sabia que, na prática, isso era apresentar a demissão, porque nós tínhamos de ser coerentes com a nossa palavra. E pior, o governo colocou-nos numa situação muito delicada - em que diziam-nos na prática, ou os senhores param de fazer perguntas sobre a situação de Luís Montenegro ou então vamos a eleições. (...) Esta campanha também é sobre o tipo de Primeiro-ministro que vamos querer ter.
É agora líder do PS/Açores. Foi eleito há menos de um ano, e há quem estranhe que nessa qualidade se volte a recandidatar à AR. Porque razão decidiu fazê-lo?
São vários os motivos. Para já, a minha situação não se altera - eu sou atualmente deputado à AR e presidente do PS/ Açores, e consigo fazer as duas coisas, com algum esforço, mas consigo. (...) Mas a primeira [razão] é por termos situações muito importantes. (....) O programa eleitoral nacional tem um conjunto de matérias relacionadas com os Açores que fui eu que as escrevi e as enviei para o secretário-geral, e foram colocadas tal e qual como pedimos. E, para isso, é preciso estar presente, é preciso ter influência, e nos momentos certos, junto do Partido Socialista nacional, ter alguém que consiga fazer esta diferença. E perdoe-me a imodéstia, mas eu, nesta direção deste partido tenho essa capacidade, tenho essa influência. E é importante que, quando nós formos rever a Lei das Finanças Regiões Autónomas, haja capacidade de influenciar. Quando for alterada a Lei do Mar que é compromisso do secretário geral do PS, esteja lá alguém que possa fazer esse compromisso. Quando tivermos de discutir uma coisa que ainda ninguém discutiu - os Projetos de Interesse Comum, um mecanismo que a Madeira já utilizou para a construção do seu hospital, e queremos que a Região tenha um projeto de interesse comum na área da Educação, é preciso que alguém esteja lá fora nestes momentos. E o quarto ponto: tendo em conta a situação financeira da RAA que é muito complicada - não pagam nada a ninguém, a empresas, a cidadãos, é um problema grave de solvabilidade da própria Região, vai ser necessário que a República nos ajude. E é importante que lá esteja presente para que a negociação seja benéfica para os Açores.
A revisão da Lei das Finanças Regionais pouco ou nada avançou no último ano. O que é preciso acautelar e com que rapidez?
(...) A Madeira não tem interesse comum nenhum connosco na Lei das Finanças da Regiões Autónomas, porque tem as suas especificidades e, no bolo financeiro que há para as regiões autónomas quer ter mais do que nós, ou pelo menos alterar a proporção de distribuição. Passados cinco anos, o que verificámos é que [o governo] chegou à nossa conclusão. Agora tem de ser com a República e os principais partidos. Temos de garantir, em primeiro lugar, que não há retrocesso. (...) Temos de verificar se a fórmula que materializa a assunção dos custos da insularidade pode ou não ser majorada. Em terceiro, lugar, gostaria de introduzir um conjunto de obrigações na Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Que obrigações?
Obrigações
de serviço público de transporte aéreo e já de vez, porque não, de
[transporte] marítimo, com comparticipação. O subsídio social de
mobilidade deve estar aqui incluído, do ponto de vista do princípio,
para que não haja um governo que diga que agora não é necessário. Neste
momento, temos obrigações de serviço público para o transporte marítimo
de mercadorias e de carga para as RA, mas qualquer pessoa de qualquer
ilha já foi a supermercados e vê falta de bens, de diversidade. (...) há
neste momento um problema ao nível do abastecimento da região, ou
porque as obrigações de serviço público não estão a ser cumpridas -
devia haver uma maior fiscalização, ou porque o modelo pura e
simplesmente esgotou. É um modelo muito antigo, já vem do tempo do PS, e
acho incrível que ainda ninguém tenha tentado pelo menos melhorá-lo.
(...)
Mas o PS esteve no governo [da República] durante oito anos. Já podia ter avançado com isso...
Mas nós queríamos mudar. Quando saímos do Governo da República não saímos porque quisemos, o Primeiro-ministro demitiu-se e houve eleições antecipadas. (...) Há muita coisa que o PS não fez e que deveria ter feito, e eu não era candidato se não queria fazer coisas diferentes. (...) Mas não pensem que a revisão da Lei das Finanças das RA é a solução para os problemas da Região Autónoma - não é. A Região tem um problema de despesa antes de tudo. E no atual contexto não pensem que vamos ter mais 100 milhões ou 200 milhões de transferências - não vamos ter. Provavelmente poderá haver um pequeno aumento, mas não será a solução para os problemas que nós temos, que são problemas internos. (...) Podemos falar na ordem das dezenas de milhões de euros e nunca das centenas.
Os Açores elegem cinco deputados, ideologias à parte e sem as colocar em causa, não deveria haver mais diálogo e cooperação entre os parlamentares na defesa dos interesses da Região, e menos calculismo partidário?
A pergunta parte do princípio que nós não conversamos. E nós conversamos. Aliás, posso não fazê-lo diretamente com o deputado Paulo Moniz, tenho-o feito diretamente com o presidente do Governo [Regional] - tenho por hábito reunir uma vez por mês com o presidente do governo, no sentido de acertar um conjunto de estratégias. E mesmo no Orçamento do Estado, houve diálogo com o PSD, e em outras medidas houve também consensos. Seja na AR, ou no parlamento regional, tem havido sempre diálogo. O Partido Socialista afirma-se como partido de oposição, mas da construção também. (...) Esse diálogo tem existido e não foram poucos os assuntos em que chegamos a acordo. Há outros que discordamos. Há um corpo central em que temos as mesmas ideias, poderá haver diferenciação na forma como devem ser aplicadas. O PS é a favor da revisão constitucional e o PSD também é, achamos é que devem ser feitas em momentos diferentes. O PSD defende que deve ser no âmbito de uma revisão ordinária, e nós achamos que não, porque vai dispersar a atenção [para outros assuntos]. Nós achamos que deve haver uma revisão constitucional extraordinária só para discutir as Autonomias. (...) Desde a extinção do Representante da República, as competências que a Região tem ao nível da regulação das atividades económicas, (...) no âmbito da Segurança Social. Está tudo no nosso programa. (...)
Como se sente quando o debate político na AR ultrapassa os limites do bom senso, educação e decência?
Mal, não gosto. Prejudica o diálogo, prejudica o trabalho e dá uma imagem do parlamento do que não é. (...) Há um trabalho na AR que é muitas vezes silencioso, feito nas comissões que ultrapassa o espetáculo político, e quando nós, no parlamento, em determinados momentos ultrapassamos os limites do bom senso, da boa educação, estamos a prejudicar todo o trabalho que fazemos por trás disto. Todas as sextas-feiras aprovamos dezenas de diplomas. E, portanto, há trabalho a ser feito, e isto tudo é prejudicado porque alguém acha que deve trabalhar para o facebook, para o tik tok, para ter o seu momento de fama. O Chega não é um partido produtivo, é um partido que faz barulho e pouco ou nada contribui. A capacidade do Chega de fazer propostas complexas é quase nula. Trabalha muito é para estes momentos e para uma coisa típica dos populismos que é acharmos que há soluções fáceis para problemas difíceis. (...)
Nos Açores, os níveis de abstenção são sempre elevados em relação ao resto do País. Em 2024, ultrapassaram os 50%. Receia que a 18 de maio se volte a bater recorde?
A minha expectativa não é uma boa expectativa. Apesar de confiar que as pessoas percebem o momento em estamos, sei que a maior parte do povo português não queria eleições. E, portanto, o apelo que faço é que as pessoas percebam o que está em causa, para que não haja impasses políticos e votem, manifestem determinada escolha. (...) Ainda por cima não é uma altura típica de eleições, mas o que nos compete da nossa parte enquanto decisores políticos é tentar apresentar as nossas propostas e motivar. No final, a culpa é sempre de quem é o responsável político, porque se não conseguimos motivar as pessoas é porque não estamos a fazer bem o nosso trabalho. Mea culpa faço também.
Quem é a sua maior referência política?
Eu tenho várias. Tenho internacionais: tenho um presidente americano de quem sou fã, e sou um leitor compulsivo de tudo o que ele fez e escreveu - Franklin D. Roosevelt. É alguém que admiro de todos os pontos de vista, e que morre no término da segunda guerra mundial. Também Nelson Mandela, pela capacidade de perdoar. E Mário Soares, eterno dador da democracia. E aqui, o meu pai [Carlos César], que é uma referência para mim em tudo.É sempre maior. Já fui a eleições três vezes como cabeça de lista. Na primeira, lembro-me do PSD dizer que o PS ia perder por 4-1 e ganhámos por 3-2. A segunda perdi. Esta espero ganhar. Sou líder do partido e obviamente que a responsabilidade partilho-a sempre. Agora, sabemos que as eleições são eleições diferenciadas. As pessoas escolhem deputados, escolhem o seu candidato a Primeiro-ministro, escolhem momentos políticos e escolhem a situação que lhes dá mais estabilidade e segurança. No balanço disto tudo, temos de ponderar qual é a nossa responsabilidade no meio disto tudo. Este resultado não alterará absolutamente nada do ponto de vista do meu mandato, enquanto presidente do PS/A. Obviamente, irei incorporá-lo, absorvê-lo, e perceber o que fiz de bem - para a vitória, o que fiz de mal que possa ter implicado uma derrota. O PS deve aprender sempre nas suas vitórias e nos seus erros. E vamos fazê-lo. Isto não implica nada nas eleições regionais e em relação ao meu mandato. E isto não me escusa de responsabilidades, só me acrescenta mais.
Enquanto líder do partido que vai a votos pela primeira vez nessa qualidade, que expectativa tem em relação aos resultados eleitorais do dia 18? O peso da responsabilidade é agora maior?
É sempre maior.
Já fui a eleições três vezes como cabeça de lista. Na primeira,
lembro-me do PSD dizer que o PS ia perder por 4-1 e ganhámos por 3-2.
Mas agora é líder do partido...
A segunda perdi. Esta espero ganhar. Sou líder do partido e obviamente que a responsabilidade partilho-a sempre. Agora, sabemos que as eleições são eleições diferenciadas. As pessoas escolhem deputados, escolhem o seu candidato a Primeiro-ministro, escolhem momentos políticos e escolhem a situação que lhes dá mais estabilidade e segurança. No balanço disto tudo, temos de ponderar qual é a nossa responsabilidade no meio disto tudo. Este resultado não alterará absolutamente nada do ponto de vista do meu mandato, enquanto presidente do PS/A. Obviamente, irei incorporá-lo, absorvê-lo, e perceber o que fiz de bem - para a vitória, o que fiz de mal que possa ter implicado uma derrota. O PS deve aprender sempre nas suas vitórias e nos seus erros. E vamos fazê-lo. Isto não implica nada nas eleições regionais e em relação ao meu mandato. E isto não me escusa de responsabilidades, só me acrescenta mais.