Dois anos após explosão de Beirute, peritos da ONU pedem investigação internacional
3 de ago. de 2022, 15:14
— Lusa/AO Online
“A tragédia
foi uma das maiores explosões de origem não nuclear na história recente
e o mundo nada fez para compreender porque é que tal aconteceu”,
declararam seis peritos mandatados pelo Conselho dos Direitos Humanos da
ONU, que, porém, afirmam que não estão a falar em nome da organização.“No
segundo aniversário da explosão [04 de agosto de 2020], constatamos,
com desânimo, que a população libanesa ainda aguarda por justiça, pelo
que pedimos a realização de uma investigação internacional sem demora”,
acrescentaram os seis especialistas, defendendo que a explosão revelou
“problemas sistémicos de governação negligente e corrupção
generalizada”.Entre os peritos figuram os
relatores especiais da ONU para as Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou
Arbitrárias, Morris Tidball-Binz, e para os Direitos Humanos e
Ambiente, David Boyd, bem como Obiora Okafor, especialista independente
para os Direitos Humanos e para a Solidariedade Internacional.A
gigantesca explosão de há dois anos, que as autoridades libanesas têm
atribuído oficiosamente a um incêndio num depósito no porto onde se
encontravam armazenadas cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amónio,
provocou mais de 215 mortos e cerca de 6.500 feridos, bem como deixou
mais de 300.000 pessoas desalojadas e fez mais de duas dezenas de
desaparecidos.Organizações
não-governamentais (ONG) têm denunciado o facto de ainda não terem sido
apontados responsáveis pela catástrofe, situação desencadeada, segundo
apontam, por uma justiça inoperante, associada à ideia generalizada
entre a população de que os políticos libaneses são corruptos.As
mesmas ONG têm vindo a lembrar que a crise política então aberta no
Líbano, ainda em agosto de 2020, está por concluir, face aos sucessivos
desentendimentos entre os políticos, o que mergulhou ainda mais o país
numa já existente grave crise económica.Também
hoje, 11 organizações de defesa e promoção dos direitos humanos, entre
elas a Amnistia Internacional (AI) e a Human Rights Watch (HRW),
defenderam que o Conselho dos Direitos Humanos da ONU deve aprovar uma
resolução, em setembro próximo, para criar uma missão independente para
investigar a explosão no porto de Beirute.“A
missão deve apurar os factos e as circunstâncias, incluindo as causas
da explosão, para que se possa estabelecer a responsabilidade individual
e estatal e ajudar as famílias das vítimas na procura da justiça”,
defendem as organizações.Até hoje, a
população libanesa e, sobretudo os familiares das vítimas, não recebeu
qualquer resposta oficial sobre as causas da explosão, cuja investigação
nacional está paralisada desde o final de 2021 devido aos contínuos
desentendimentos políticos.Denunciadas por
negligência criminosa, as autoridades são acusadas pelos familiares das
vítimas e por várias organizações internacionais de criar obstáculos às
investigações para evitar as acusações.A
23 de dezembro de 2021, Tareq Bitar, juiz escolhido em fevereiro desse
ano para liderar a investigação à explosão, foi obrigado a suspender,
pela quarta e última vez, as investigações após mais um recurso
interposto por ex-ministros, que o acusaram de obstrução à investigação.Os
ex-ministros libaneses Ali Hassan Khalil e Ghazi Zeaiter, associados ao
Hezzbollah, o movimento xiita libanês pró-iraniano, apresentaram um
total de 18 denúncias contra o juiz Bitar por obstrução da investigação.O
magistrado, que viu vários dirigentes políticos, de todos os
quadrantes, se recusarem a ser interrogados, tem estado sob intensa
pressão, em particular do Hezbollah, que tem exigido a sua demissão.Outros
dirigentes políticos, porém, temem que o magistrado tenha o mesmo
destino que o seu antecessor, Fadi Sawan, demitido em fevereiro de 2021
após acusações de obstrução à justiça feitas por altos funcionários
governativos.Com sede em Genebra, o
Conselho de Direitos Humanos da ONU é composto por 47 Estados-membros
que se reúnem regularmente em sessões, com a próxima a decorrer entre 13
de setembro e 07 de outubro.Nas sessões, os Estados-membros podem decidir mandatar especialistas para investigar situações com impacto nos direitos humanos.