Diretora do SEF admitiu "situação de tortura evidente" na morte de cidadão ucraniano
16 de nov. de 2020, 12:36
— Lusa/AO Online
“As investigações e
tudo o que foi apurado até ao momento indicam que um cidadão ucraniano
sofreu aqui tratamentos que conduziram à sua morte. O que se passou aqui
não tenho grande dúvidas sobre uma situação de tortura evidente”,
afirmou Cristina Gatões, em entrevista à RTP nas instalações do Espaço
Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT) do aeroporto de
Lisboa, onde em março morreu um cidadão ucraniano, depois de ter tentado
entrar ilegalmente em Portugal, por via aérea em 10 de março.Até agora, Cristina Gatões não tinha feito declarações em relação a este caso. “É
evidente que enquanto não percebermos todos o que se passou aqui, acho
que nenhum de nós dorme descansado com uma morte destas às costas”,
afirmou, referindo que “esta que é claramente a pior situação que o SEF
alguma vez viveu”.Em 30 de setembro, o Ministério Público acusou três inspetores do SEF do homicídio qualificado de Ihor Homenyuk.Quando
questionada sobre se tinha posto o lugar à disposição do ministro da
Administração Interna, que tutela o SEF, ou se tinha pensado demitir-se,
Cristina Gatões afirmou que “não”.“É uma
responsabilidade à qual eu não podia fugir. Por muito duro que seja o
momento com que tive que lidar, abandonar não adiantaria nada e não iria
introduzir nenhuma mudança positiva, que eu achava que era possível
introduzir para que este trágico e hediondo acontecimento não seja nunca
esquecido e nos catapulte para garantir que nenhum Ihor volta a sofrer o
que este cidadão ucraniano sofreu nas instalações do SEF”, disse.A
diretora nacional do SEF revelou que foi “avaliado tudo o que era
segurança” no EECIT do aeroporto de Lisboa, e foi criado “um novo
regulamento, que impõe muito mais regras, muito maior controlo, por
parte das pessoas que têm que garantir a assistência a estes cidadãos
estrangeiros”.Após a morte de Ihor
Homenyuk, o ministro da Administração Interna determinou a instauração
de processos disciplinares ao diretor e subdiretor de Fronteiras de
Lisboa, ao Coordenador do EECIT do aeroporto e aos três inspetores do
SEF, entretanto acusados pelo Ministério Público, bem como a abertura de
um inquérito à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).Na
sequência deste inquérito, a IGAI instaurou oito processos
disciplinares a elementos do SEF e implicou 12 inspetores deste serviço
de segurança na morte do ucraniano.Quando
questionada sobre se tinha noção que haveria pelo menos 12 pessoas
envolvidas na morte do cidadão ucraniano, Cristina Gatões sublinhou que
considerou “importante” manter-se “prudentemente em silêncio, enquanto
as investigações se faziam”, razão pela qual até hoje não tinha prestado
declarações sobre o caso.A diretora
nacional do SEF considerou que “a descrição que é feita [na acusação] é
medonha, hedionda, inqualificável” e defendeu que “aquilo nunca mais
pode voltar a acontecer”.“Toda a gente
sabe que a acontecer o que aconteceu jamais haveria qualquer
branqueamento, ação, por parte da direção nacional que não fosse de
condenação severíssima, intransigente”, afirmou.Os
três inspetores do SEF - Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva –
acusados de matar Ihor Homenyuk estão em prisão domiciliária desde a sua
detenção, em 30 de março.O Ministério
Público considerou que “ficou suficientemente indiciado” que, em março
deste ano, um cidadão ucraniano foi conduzido à sala do Estabelecimento
Equiparado a Centro de Instalação, no Aeroporto de Lisboa, para aguardar
pelo embarque num voo com destino a Istambul, tendo-se recusado a
fazê-lo. Perante a agitação que
apresentava, Ihor Homenyuk acabou por ser isolado (na sala dos Médicos
do Mundo) dos restantes passageiros estrangeiros, onde permaneceu até ao
dia seguinte, tendo sido “atado nas pernas e braços”, mas acabou por
ficar “apenas imobilizado nos tornozelos”. Os
inspetores acusados dirigiram-se à sala onde estava o cidadão,
tendo-lhe algemado as mãos atrás das costas, amarrado os cotovelos com
ligaduras e desferido um número indeterminado de socos e pontapés no
corpo.“Com o ofendido prostrado no chão,
os arguidos, usando também um bastão extensível, continuaram a desferir
pontapés, atingindo o ofendido no tronco. Ao abandonarem o local os
arguidos deixaram a vítima prostrada, algemada e com os pés atados por
ligaduras”, refere a acusação. Horas
depois, e depois de a vítima não reagir, acabou por ser acionado o INEM e
uma viatura médica de emergência, tendo o médico de serviço da
tripulação verificado o óbito do cidadão ucraniano.Segundo
o Ministério Público, as agressões cometidas pelos inspetores do SEF,
que agiram em comunhão de esforços e intentos, provocaram a Ihor
Homenyuk “diversas lesões traumáticas que foram causa direta” da sua
morte. O caso da morte de Ihor Homenyuk
levou à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto
de Lisboa pela diretora do SEF, Cristina Gatões.