Diretor da CNB quer mais bailarinos em palco, música ao vivo e mecenato
10 de dez. de 2021, 12:55
— Lusa/AO Online
No
regresso a uma instituição onde começou, entre 1984 e 1990, para
assumir agora a direção, Carlos Prado diz que os três primeiros meses no
cargo foram importantes para um conhecimento mútuo do atual corpo
artístico, técnico e de produção: "Tem sido uma bela viagem. Assim
continue, apesar dos tempos difíceis", avaliou, em entrevista à agência
Lusa."Foi
um excelente início de carreira, aprendi muito aqui, e, de certa forma, é
voltar à ´casa mãe´", comentou o também ex-primeiro bailarino do Ballet
Gulbenkian, que dirigiu a Academia de Dança Contemporânea de Setúbal e
prosseguiu uma carreira internacional como assistente coreográfico,
tendo trabalhado, entre outros, com o Ballet da Ópera Nacional de Paris,
o Bolshoi, o La Scala de Milão, o New York City Ballet e o Ballet Real
da Flandres.Contente
com o trabalho da companhia nacional - que completará 45 anos em 2022 -
Carlos Prado diz ter aceitado o convite do Ministério da Cultura para
suceder a Sofia Campos, em setembro, conhecendo o perfil e as
dificuldades de uma companhia nacional que tem vindo a acompanhar ao
longo de quatro décadas.Sobre
o orçamento disponível, que preferiu não precisar, disse ter decidido
assumir o cargo porque pensou que "podia fazer alguma coisa", com um
financiamento que "nunca é suficiente, e quanto mais houver, mais se
pode fazer, mas é importante trabalhar com aquilo que se tem".Questionado
sobre a situação do mecenato, Carlos Prado indicou que a Fundação EDP
continua a ser o mecenas principal da CNB, e, atualmente, o único, mas o
novo diretor pretende, futuramente, angariar outros mecenas, "apesar de
não haver grande cultura de mecenato em Portugal”. “Nos Estados Unidos, por exemplo, as grandes companhias [de bailado] vivem praticamente do mecenato", apontou.A
visão do novo diretor para a CNB passa pela escolha de um repertório
diversificado, com espetáculos clássicos e contemporâneos, usando "a
riqueza das peças já existentes na casa, levar ao palco o maior número
possível de bailarinos” - atualmente 68 -, e também tentar ter mais
música ao vivo nos espetáculos."Alguns
dos bailarinos já não dançam todo o repertório, mas há sempre trabalho
que podem fazer, como os papéis de caráter, em certas produções. Há
trabalho específico para pessoas que têm uma carreira grande atrás de
si, e uma experiência enorme. São pessoas muito válidas que eu espero
usar para dançar ou para outras funções importantes para a companhia.
Conto com todos os artistas, em diferentes vertentes, projetos
educativos, por exemplo", disse à Lusa o ex-bailarino de 59 anos,
nascido em Setúbal.O
diretor diz, contudo, que não pretende vir a aplicar um modelo na casa
que agora lidera: "Cada companhia tem as suas especificidades e as suas
vicissitudes. Olhei para a companhia que eu conheci quando era bailarino
e que tenho acompanhado ao longo de 40 anos. Independentemente dos
diretores que cá estiveram, a CNB tem um repertório vastíssimo [para
usar], é preciso valorizar os artistas, e trazer repertório novo. Essa é
uma das missões, preservar o que tem, e trazer novo trabalho de criação
relevante do século XX e XXI, seja na vertente clássica ou mais
contemporânea". "A
CNB tem a obrigação de apresentar tudo isso, e é assim que os
bailarinos crescem e amadurecem tecnicamente, fazendo trabalho variado.
Esta é a minha ideia para a companhia, usando toda o corpo artístico,
com obras que usem muitos intérpretes", reiterou, sobre a forma como
pretende dirigir a casa onde regressa, com "o maior número possível de
bailarinos a dançar toda a temporada".Deu
como exemplo a coreografia "La Sylphide", considerado o primeiro
bailado romântico da história da dança, sobre a qual, em 1836, o
coreógrafo dinamarquês Augusto Bournonville criou uma versão que entrou
no repertório da CNB em 1980, e que, pontualmente tem regressado ao
palco, e volta em 2022, "porque é do repertório da casa, é muito
apreciado pelo público, e dá um traquejo importante aos bailarinos" no
bailado clássico, "um treino que se tem de ir mantendo".As
escolhas de Carlos Prado recaem no repertório clássico do século XIX,
que a CNB já detém, desde "O Lago dos Cisnes" à "Bela Adormecida", até
ao princípio do século XX, que pretende "trabalhar e apresentar
regularmente"."Mas
um bailarino não evolui se não tiver repertório de coreógrafos
relevantes do panorama atual", ressalvou o novo diretor, cuja visão
passa ainda por continuar a usar a própria experiência como assistente
de coreógrafos, mantendo-se "muito presente no estúdio".Na
opinião de Carlos Prado - que coreografou diversas óperas para o Teatro
Aberto, Teatro Nacional de São Carlos e Teatro Nacional D. Maria II -,
esta poderá vir a ser uma marca importante da atual direção, "numa certa
forma de trabalhar todos os dias e de dar ‘feedback’ aos bailarinos",
acompanhando-os em estúdio."Não
é só com a escolha de repertório, mas ajudar a que seja apresentado ao
mais alto nível. Isto é o que me interessa na companhia", disse,
sustentando que a sua experiência como bailarino diz-lhe que os
diretores que estavam presentes ajudaram-no no desenvolvimento da
carreira. Prado
considera que "é importante passar alguns valores no dia-a-dia, na
ética do trabalho", e que "os bailarinos devem ser, a todo o momento
tutelados por uma forma de trabalhar, e é isso que faz uma companhia: um
grupo de artistas estarem a trabalhar todos na mesma direção, e ser
clara essa direção".Sobre
a possibilidade de fazer mais encomendas a coreógrafos portugueses para
a CNB, diz que tomará essa iniciativa, a começar já por Olga Roriz, que
irá criar uma peça para assinalar o centenário do nascimento do
escritor José Saramago, a apresentar em junho de 2022."Mas
também quero ter obras de criadores estrangeiros, porque a companhia
tem de se abrir a todas as experiências que possam trazer uma mais-valia
aos bailarinos", sublinhou, defendendo que "quantas mais linguagens
experimentam, mais riqueza adquirem e melhor dançam".O
antigo assistente coreográfico de criadores como Mauro Bigonzetti e
Sidi Larbi Cherkaoui, de quem apresentará também uma peça na próxima
temporada, a primeira assinada pela nova direção, vai ainda "fazer o
possível para que todas as produções tenham música ao vivo porque é toda
uma outra experiência que se revela mais intensa para o público".