Dia Mundial do Professor: Histórias de quem faz a diferença na vida de um aluno
5 de out. de 2024, 08:17
— Lusa
As
escolas portuguesas têm cerca de 140 mil professores, que têm como
missão educar mais de um milhão de alunos. São vistos como uma classe
envelhecida, desgastada e desmotivada, mas muitos continuam a trabalhar
árdua e discretamente não apenas para ensinar mas também para tentar
fazer a diferença, "nem que seja na vida de apenas um aluno"."Podemos
ter razões para não estar contentes, mas quando estamos perante uma
turma, deixamos os problemas do lado de fora da porta", contou à Lusa
Clara Ferreira, 51 anos, dos quais 30 a dar aulas.Clara
trocou uma carreira de Informática, em que "estaria a ganhar, pelo
menos, três vezes mais", pelo ensino mas não se arrepende. Já teve
alunos de todas as idades, desde crianças do 1.º ciclo, a adolescentes
do secundário e classes de idosos. As turmas de que mais gosta são as de
ensino profissional, onde conhece jovens muitas vezes estigmatizados.Esta
professora já conseguiu contrariar destinos de jovens em risco de
abandono escolar e apagou rótulos de alunos vistos como "mal
comportados" ou "menos capazes".Foi o caso
de João Rosado. Um aluno com dislexia e em risco de deixar de estudar
que Clara percebeu ser apenas um menino "muito reservado" a precisar de
um projeto que lhe mostrasse as suas capacidades.A
professora de Informática propôs-lhe que participasse num concurso
nacional, a "Apps For Good", em que os alunos criam uma aplicação
digital. João envolveu-se no projeto e imaginou, com uma colega, uma
"app" para fomentar a leitura de livros pelas crianças, através da
realidade virtual que iria animar as imagens dos livros e fazer jogos
sobre os seus conteúdos.O menino que tinha
abandonado o curso de Economia, ganhou o primeiro prémio e percebeu a
importância de aprender Inglês para que a aplicação chegasse mais longe,
Português para conseguir comunicar melhor a sua ideia ou Matemática.
Tornou-se um bom aluno e conseguiu estagiar na Mercedes-Benz. Hoje é
"data engineer" na BI4All.Foi também
através deste programa que Clara conheceu melhor um aluno ucraniano
transferido de outra escola. Chegou ao liceu de Santarém carregado com
"dois dossiers" repletos de relatos de mau comportamento."Batia
em toda a gente", recordou a professora, que iniciou com ele um projeto
e rapidamente percebeu que ele não percebia a língua. Ajudou-o e ele
aprendeu português, "tornou-se um exemplo de bom comportamento", conta a
professora, que acredita que, muitas vezes, estes miúdos "preferem ser
bons malandros a maus alunos".Nídia
Pereira tem hoje 28 anos e também foi aluna de Clara, a quem reconhece
muitas qualidades: "Existem professores que acreditam em nós e que
valorizam o nosso trabalho".Nídia também
esteve envolvida na criação de uma app e recorda o envolvimento da
docente, que aproveitava as tardes livres para ajudar a equipa, mas
também da professora Fátima Vasques, que deu explicações gratuitas e
fora de horas a quem queria preparar-se para o exame nacional."Ela
não era minha professora, mas disponibilizou-se para nos ajudar. Às
vezes dava explicações na escola, outras na sua casa. Era onde calhasse e
fez grande diferença", contou a aluna que teve 16 valores no exame e
entrou na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Hoje é
sénior designer numa empresa em Frankfurt.As histórias de docentes que abdicaram do seu tempo para ajudar alunos são muitas. Navroop
Singh nasceu na Índia e chegou a Portugal em 2019. "Tive os melhores
professores do mundo. Nunca pensei que fossem assim, achava que davam as
aulas e iam-se embora", disse o adolescente.Na
lista dos que nunca irá esquecer estão a professora Silvina, de
Português Língua Não Materna, e a de Programação, Elsa Ferreira.A
professora Silvina convidou-o para ajudar a criar uma aplicação, onde
portugueses podem voluntariar-se para ajudar estrangeiros nas mais
variadas tarefas, como tradução de documentos ou acompanhar ao médico."Durante
o verão fazíamos chamadas por `teams´ e as professoras dedicaram-se
muito tempo ao nosso projeto. Estávamos juntos das seis às oito da
noite, três dias por semana", recordou Navroop, explicando que a Apps
For Good também lhe permitiu conhecer empresários da Microsoft e da
Galp, que lhe "deram sugestões de como fazer a apresentação às
empresas".A aplicação desenvolvida por uma
equipa multicultural - além de Navroop, havia um aluno do Paquistão, do
Bangladesh, da Venezuela e um português - ficou em 2.º lugar.Numa
década, só o programa Apps for Good envolveu mais de 28 mil alunos do
5.º ao 12.º anos e quase dois mil professores de 694 escolas. Para
o diretor do programa, João Baracho, o sucesso deste projeto educativo
gratuito parte muito do empenho e dedicação dos professores.Mas
não existe apenas envolvimento em projetos extracurriculares. Navroop
Singh contou à Lusa que continua a falar com ex-professores do 10.º ano
através de um grupo de whastapp.Nesse
grupo está a professora Clara Ferreira que alerta para a quantidade de
jovens que se sentem sozinhos. "Recebo muitas mensagens de alunos a
quererem tirar duvidas, mas às vezes, só querem realmente ter com quem
conversar. A vida das famílias é muito complicada e sem tempo para estar
com os filhos", lamentou.Também foi a
professora que arranjou o primeiro estágio a Navroop Singh: um trabalho
de verão a fazer gráficos no jornal local. A experiência foi essencial
para avançar com o seu projeto, que hoje tem milhares de seguidores,
contou o rapaz de 17 anos.Clara explica
que são estes percursos de sucesso que fazem com que nunca se tenha
arrependido de ter abandonado a carreira de Informática. Aos 51 anos
garante manter a mesma paixão pelo ensino e continua a ver os
professores como alguém com "responsabilidade de conseguir mudar uma
vida para sempre".