Descoberta primeira transmissão acidental da doença de Alzheimer
31 de jan. de 2024, 19:12
— Lusa
A
descoberta desta propagação, por mais extraordinárias que tenham sido as
circunstâncias em que ocorreu, realça a necessidade de tomar precauções
extremas, de acordo com os autores deste estudo, publicado esta
segunda-feira na revista Nature Medicine.A
investigação confirmou que cinco pacientes que foram tratados com uma
hormona de crescimento contaminada – proveniente de tecidos cerebrais de
cadáveres – acabaram por desenvolver a doença sem ter idade ou herança
genética associada a esta.Esta hormona foi contaminada com a proteína beta amilóide, cujo acumulação é responsável pelo Alzheimer. O
tratamento, que não se realiza desde 1985, era realizado com a hormona
de crescimento c-hGH, extraída da glândula pituitária de pessoas mortas
para tratar problemas de altura, e foi administrado a 1.848 meninas e
meninos no Reino Unido, entre 1959 e 1985.A
suspensão do seu uso em 1985 – e sua substituição por uma hormona
sintética – avançou após a descoberta de que alguns lotes continham
proteínas infetadas que causam a doença de Creutzfeldt-Jakob, um
distúrbio cerebral que muitas vezes leva à demência.Em
2017-2018, mais de 30 anos após a cessação da utilização deste
tratamento, os autores do estudo analisaram amostras armazenadas da
hormona do crescimento c-hGH e constataram que estavam contaminadas com a
patologia associada à proteína beta amilóide, apesar de estarem
guardadas há décadas.Ao serem
administrados em ratos, os investigadores observaram que estes
desenvolveram Alzheimer, o que os levou a questionar qual teria sido a
evolução daquelas meninas e meninos que receberam aquele tratamento
potencialmente contaminado com a proteína beta amilóide.“A
nossa suspeita era que as pessoas expostas a esta hormona de
crescimento que não sucumbiram à doença de Creutzfeldt-Jakob e viveram
mais tempo poderiam ter acabado por desenvolver a doença de Alzheimer”,
explicou, em conferência de imprensa, um dos autores, o neurocirurgião
John Collinge, da University College de Londres.O
estudo de oito destes casos mostrou que cinco começaram a apresentar
sintomas de demência entre os 38 e os 55 anos e, atualmente, ou foram
diagnosticados com Alzheimer ou preenchem todos os critérios
diagnósticos para esta doença.Dos três restantes, uma pessoa preencheu os critérios de deterioração cognitiva leve.A
idade invulgarmente precoce em que estes pacientes desenvolveram
sintomas sugere que não sofrem da doença de Alzheimer habitual associada
à idade avançada, e em todos os cinco casos foi descartada a existência
do gene que torna esta doença hereditária em alguns casos.“Não
há indicação de que a doença de Alzheimer possa ser transmitida entre
pessoas durante atividades da vida diária ou cuidados médicos de rotina.
Os pacientes que descrevemos receberam um tratamento médico específico
que foi interrompido em 1985”, frisou Collinge.No
entanto, os autores concordam que esta descoberta estabelece um
precedente e deve levar "a rever medidas para prevenir a transmissão
acidental através de procedimentos médicos ou cirúrgicos, a fim de
evitar que estes casos ocorram no futuro”.Numa
reação divulgada pela plataforma Science Media Center, Tara
Spiers-Jones, presidente da Sociedade Britânica de Neurociências, não
questionou os resultados do estudo, mas sublinhou que “não é algo que
deva preocupar as pessoas”.“Não há
evidências de que a doença de Alzheimer possa ser transmitida entre
indivíduos nas atividades da vida diária, nem há evidências que sugiram
que os procedimentos cirúrgicos atuais apresentem qualquer risco de
transmissão da doença”, acrescentou.