Demissão de Portas teve como propósito destruir credibilidade de ministra
23 de out. de 2018, 10:06
— Lusa/AO Online
“Manifestei
a minha total estupefação perante o que acabara de ouvir. Paulo Portas
não me dera qualquer palavra, uma atitude inaceitável”, confessa Cavaco
Silva no segundo volume das suas memórias, “Quinta-feira e outros dias”,
que será apresentado na quarta-feira, em Lisboa, pela presidente da
Fundação Champalimaud, Leonor Beleza.Classificando
a tarde do dia 02 de julho de 2013 como “difícil de esquecer”, Cavaco
Silva relata a forma como foi informado pelo então primeiro-ministro,
Passos Coelho, por telefone da demissão de Paulo Portas da pasta dos
Negócios Estrangeiros, a pouco mais de uma hora da tomada de posse de
Maria Luís Albuquerque como ministra das Finanças.Para
o chefe de Estado a decisão “incompreensível”, “absurda” e
“absolutamente inaceitável” de Paulo Portas “visava, propositadamente,
destruir a credibilidade da nova titular da pasta” das Finanças, que ia
suceder a Vítor Gaspar, que pedira em maio para sair do Governo.
“Decidi enviar-lhe um lacónico SMS: ‘Não consigo compreender a sua
carta. Está consciente das graves consequências para PORTUGAL?’”, conta
Cavaco Silva, que contrapõe a atitude de “infantilidade pouco
patriótica” de Paulo Portas, com “a serenidade, sentido de Estado e
determinação” de Passos Coelho, que recusou demitir-se.Seguiram-se
dias de intensos contactos, nomeadamente com o então secretário-geral
do PS, António José Seguro, a quem Cavaco Silva questionou sobre a
hipótese de formar um Governo com a participação de PSD e CDS-PP.
Seguro, diz o ex-Presidente da República, comprometeu-se a estudar a
proposta.Com o
país “mergulhado numa grave crise política”, Cavaco Silva propõe a
Passos Coelho um “Compromisso de Salvação Nacional” entre PSD, PS e
CDS-PP, que deveriam acordar o ‘timing’ mais adequado para a realização
de eleições antecipadas, a aprovação de medidas para o regresso de
Portugal aos mercados e um acordo de médio prazo dos três partidos ao
Governo que saísse do ato eleitoral para assegurar o futuro da
governabilidade.Mas,
enquanto decorria esta conversa entre Cavaco Silva e Passos Coelho, o
primeiro-ministro recebeu um ‘sms’ de Paulo Portas que estaria “aberto a
encontrar uma solução para a crise”.Paulo
Portas, depois de refletir, comunicou a Passos Coelho que “aceitava
tudo”: aceitava permanecer no Governo e ser vice-primeiro-ministro.
Apenas não queria assumir a pasta da Economia, que ficaria para Pires de
Lima.O então
Presidente da República decidiu não emitir “qualquer opinião”, remetendo
a sua posição para o fim das audiências que já tinha marcado com os
partidos.Entretanto,
Paulo Portas pediu para ser recebido por Cavaco Silva, altura em que
reconheceu a “falha grave” cometida ao não ter informado o chefe de
Estado do pedido de demissão, recordando que o CDS-PP sempre discordou
da substituição de Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque e que, por
isso, reagira “em desespero de causa”. Um “ato de contrição” que Cavaco
Silva admite ter sido “bem encenado”.Nos
dias seguintes, iniciaram-se as negociações entre PSD, PS e CDS-PP para
o “Compromisso de Salvação Nacional”, que viriam a ser interrompidas
pelo PS, com Cavaco Silva a acusar António José Seguro de falta de
lealdade.Na
tarde de 19 de julho, relata, esteve reunido com o líder socialista e
pediu um último esforço de convergência. À saída António José Seguro
terá dito que não acreditava ser possível chegar a um entendimento.“Não
voltou a falar-me e, às 20:00, viria a anunciar publicamente a rutura
das negociações. Não foi leal da sua parte”, escreve Cavaco Silva,
responsabilizando o PS pelo fracasso do Compromisso de Salvação
Nacional.“Foi,
em minha opinião, o seu maior erro político. Perdera a oportunidade de
concretizar o sonho de ser primeiro-ministro de Portugal. Os
‘socráticos’ e o presidente da Câmara de Lisboa foram corroendo e
desacreditando a sua liderança como secretário-geral do PS”, refere,
considerando que apesar de “simpático e correto”, António José Seguro
revelou-se “inseguro, medroso e sem capacidade de liderança” e seria “um
primeiro-ministro fraco”. Goradas
as possibilidades da construção do Compromisso de Salvação Nacional,
Cavaco Silva daria, alguns dias depois, posse a Paulo Portas como
vice-primeiro-ministro, numa remodelação governamental que abrangeu
ainda as pastas da Economia, Negócios Estrangeiros, Ambiente,
Agricultura e Segurança Social.“Não
tendo sido possível alcançar um Compromisso de Salvação Nacional, a
melhor solução governativa era a continuação em funções do Governo de
coligação PSD/CDS-PP, com garantias reforçadas de coesão e solidez até
ao final da legislatura”, conclui.