Decisão sobre despedimento de piloto da SATA é inédita e inverte a jurisprudência
5 de dez. de 2018, 19:03
— Lusa/AO Online
O
STJ diz que foi ilícito a companhia aérea despedir o trabalhador por
publicar naquela rede social um comentário a criticar a postura de um
administrador da empresa, passageiro num voo de 07 de setembro de 2015,
em que Luís Miguel Sancho era o piloto comandante e o avião se atrasou
devido a uma avaria.“Com
esta decisão, inédita, o STJ inverteu em absoluto o sentido da
jurisprudência até agora seguida pelos tribunais superiores portugueses,
no sentido de conferir a justa causa ao despedimento promovido pela
entidade empregadora, quando o trabalhador subordinado publicasse na
rede social Facebook afirmações críticas para com aquela”, sublinhou o
advogado Paulo Campos, em declarações à Lusa.No
acórdão, a que a agência Lusa teve acesso, o STJ declarou a
“ilicitude do despedimento, manifestamente abusivo”, e condenou a
companhia aérea açoriana a pagar 55.250 euros a Luís Miguel Sancho “a
título de indemnização substitutiva da reintegração, bem como ao
pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do
despedimento até ao transito em julgado” da decisão, agora proferida.Segundo
o Supremo, o piloto foi despedido a 15 de dezembro de 2015, auferindo, à
data, um rendimento ilíquido base de 6.500 euros mensais. De acordo com
as contas da Lusa, relativamente aos salários destes três anos, o
trabalhador irá receber uma indemnização, no mínimo, de 273 mil euros. O advogado explicou que, até agora, os tribunais portugueses sempre consideraram "lícitos esses despedimentos”.O
STJ salienta que o que se discutiu neste processo em concreto foram os
“limites da liberdade de expressão do trabalhador subordinado, mormente
quando faz uso de tal liberdade no contexto de redes sociais como o
Facebook”.Para
o advogado, este acórdão, proferido pelo STJ a 27 de novembro, “com
fixação de jurisprudência, evidencia a proteção e a defesa da liberdade
de expressão do trabalhador, através das redes sociais, designadamente,
através de comentários no Facebook”.“Mereceu
acolhimento pelo STJ, a tutela pelo Direito do Trabalho, da liberdade
de expressão do trabalhador, quando o teor da sua mensagem não é do
inteiro agrado do seu destinatário ou da maioria, especificamente,
quando o mesmo faz uso de tal liberdade no contexto das redes sociais”,
acrescenta Paulo Campos.O
Supremo entendeu que “não se mostram preenchidos os requisitos de justa
causa de despedimento, ou seja, não se verificou um comportamento
culposo do trabalhador/recorrente, que pela sua gravidade e
consequências, tenha tornado de imediato e praticamente impossível a
subsistência da relação laboral”, frisando que o autor do 'post' não
identificou o seu empregador.Nesse
sentido, a “sanção aplicada” ao piloto comandante “foi manifestamente
abusiva e o seu despedimento ilícito, tanto mais que o empregador podia,
eventualmente, socorrer-se de uma outra sanção mais leve” das que estão
previstas no Código de Trabalho.Luís
Miguel Sancho, que foi comandante na transportadora aérea açoriana
desde 2001, foi ouvido a 12 de outubro de 2015 na comissão parlamentar
de inquérito ao Grupo SATA, em Ponta Delgada, onde classificou como
“completamente obsoletos” os aviões A310 ao nível do conforto no
interior da cabine, em comparação com a concorrência.A
28 de dezembro de 2015, cerca de duas semanas após o despedimento, o
presidente da comissão parlamentar de inquérito ao grupo SATA, nos
Açores, anunciou nesse dia que iria pedir à administração da companhia
aérea açoriana informação oficial sobre os motivos do despedimento do
comandante Luís Miguel Sancho.À
data, a companhia aérea garantiu que a decisão de despedir o piloto
comandante nada teve a ver com as declarações polémicas do trabalhador
na comissão de inquérito à transportadora, mas sim com dois processos
disciplinares.