Crianças reaprendem a brincar na natureza em mata privada
14 de jul. de 2024, 19:15
— Lusa
“É
possível voltar a brincar na rua como antigamente. A Mata do Pópulo é
um projeto para que as crianças possam brincar em liberdade, na
natureza, explorando a cozinha de lama e caixa de areia, construindo
abrigos e cabanas, tomando assim a sua dose de vitamina N [Natureza]",
disse à agência Lusa Telma Miragaia, médica e uma das responsáveis pelo
projeto.Localizada na freguesia do
Livramento, no concelho de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, a Mata
do Pópulo é um terreno onde as crianças podem aprender a fauna e a
flora, ao mesmo tempo que brincam."O nosso
objetivo é que as crianças voltem a brincar na rua, ao ar livre, em
contacto com a natureza, e deixem de estar imóveis em frente aos ecrãs.
Muitas chegam à mata e não sabem o que fazer, porque estão tão
habituadas aos computadores", apontou Telma Miragaia.Inspirado
no projeto Tribo Terra - Escola da Floresta em Ovar, a Mata do Pópulo é
dinamizada pelo casal Telma Miragaia e Marco Martins, naturais do
continente, mas que decidiram fixar residência nos Açores.Em abril de 2023, o casal começou a limpeza da mata e arrancou com o projeto, de modo experimental.A
16 de setembro, a Mata do Pópulo abriu ao público realizando sessões
com a duração de duas horas, ao fim de semana, com o apoio de monitores e
a presença de pais.O público-alvo são
crianças dos 3 aos 8 anos, através de inscrição prévia, podendo, em cada
sessão, participar entre 15 e 20 crianças.O projeto segue a metodologia da Forest School [escola da floresta] em Portugal."São
construídos ambientes onde as crianças podem explorar e aprender, como
uma cozinha de lama ou uma caixa de areia. Após estas atividades, as
crianças podem brincar livremente nos baloiços ou nas cabanas",
descreveu.Telma Miragaia apontou que, "em
média, uma criança passa cerca de uma hora ao ar livre por dia",
alertando que o sedentarismo "tem consequências ao nível da saúde
mental" e potencia o surgimento de patologias como a hipertensão
arterial e diabetes."Como sou médica, o
meu objetivo é contribuir para a alteração de estilos de vida das
crianças", sublinhou, lembrando que "os Açores têm a maior taxa de
obesidade infantil".Segundo estimativas de
Telma Miragaia e Marco Martins, "mais de 400 crianças já passaram pela
Mata do Pópulo, sem contabilizar a realização de [festas de]
aniversários" no espaço, que "tem sido muito procurado por escolas
privadas"."Quando temos um filho, e foi
por isso que criámos o projeto da Mata, queremos que ele viva a infância
feliz que tivemos. No meu caso, na Guarda, e o meu marido em Macedo de
Cavaleiros. Brincámos toda a infância na rua. Mas, agora é o contrário,
já que as crianças passam os dias agarradas aos ecrãs. E a sociedade
ainda não viu a gravidade da situação", afirmou.A médica de família destacou ainda as mais-valias para a saúde das atividades ao ar livre."Aqui
[na Mata] as crianças podem mexer na terra, brincam com paus e os
próprios pais recordam a sua infância. O nosso objetivo é diminuir o
tempo que as crianças passam sentadas, porque é um fator de risco
cardiometabólico", vincou.De acordo com
Telma Miragaia, a aceitação ao projeto tem sido "enorme", incluindo
várias escolas privadas que pretendem transpor ideias para o espaço
escolar."Há pais que relatam que construíram casinhas nos quintais", adiantou.O
próximo passo do casal é alargar o projeto ao maior número possível de
crianças, através de eventuais protocolos com as autoridades regionais.Telma
Miragaia defende a necessidade de alterar o estilo de vida que as
crianças têm, alegando que os mais novos passam muito tempo "dentro de
quatro paredes, vão para a escola de carro" e "estão horas nos
telemóveis"."Este projeto é um bem para a
sociedade. Sou médica de família e se os meus fins de semana são
passados na Mata é porque acredito que este trabalho faz sentido para
alterar estilos de vida e mostrar que existem alternativas ao ecrã",
realçou.