Cozinheira invisual dos Açores confeciona doces premiados

19 de nov. de 2016, 11:59 — LUSA/AOnline

Hoje com 58, Manuela Bulhão, invisual devido a um problema hereditário, trabalha na área da cozinha da Aurora Social, associação de promoção de emprego apoiado, em São Miguel (Açores), desde que a instituição abriu, há 21 anos. "Sou da casa e das mais velhas. Sempre estive na área da cozinha", disse Manuela Bulhão, em declarações à Lusa, contando que foi perdendo a visão gradualmente e atualmente só vê sombras. Porém, nunca baixou os braços. "Sempre fui persistente, venho todos os dias da Lomba da Maia [concelho da Ribeira Grande] de transportes públicos e há muitas barreiras, mas nada é impossível. Primeiro há que ganhar a coragem", referiu. Na cozinha da Aurora Social, instituição que confeciona refeições e doçaria para o exterior, Manuela Bulhão partilha o fogão com quatro colegas e faz de tudo um pouco. "Se é preciso ir para o fogão, vou para o fogão. Se é preciso outras coisas, faço, e se é preciso arranjar peixe, também faço", descreveu, sublinhando que o facto de ser invisual não a impede de fazer nada, até porque conhece "os cantos à casa". Raramente usa a sua bengala - apenas no trajeto entre a sua residência e a paragem do autocarro e no percurso para o trabalho. Para Manuela, o principal obstáculo na cozinha "é quando há uma coisa fora dos lugares". Ainda assim, raramente pede ajuda aos colegas. "Apenas para pesar os ingredientes é que tenho que pedir ajuda, porque em casa tenho uma balança falante. Mas, depois faço o bolo rápido e ligeiro", disse. Das suas mãos já saíram doces premiados em concursos regionais, com receitas criadas pela própria. "O primeiro prémio que ganhei foi com o pudim de feijão e depois o pudim de castanhas e ainda o de massa sovada", contou. Além de pudins, confeciona bombons de nozes, rebuçados de ovos, nozes recheadas e toucinho-do-céu. "Provo os meus doces, acabo por não os ver, mas é como se os visse sabendo que as pessoas vão gostar daquilo que confeciono. É como se os visse", confessou, explicando que a decoração fica a cargo de uma colega. Por vezes, "os doces não saem muito bem, mas vou experimentando e é como todas as pessoas", disse, recordando que no caso do premiado pudim de castanhas experimentou "e deu certo". A cozinheira, natural da Lomba da Maia, adiantou que já está a idealizar novas receitas para novos pudins e bolos, porque gosta de estar "sempre a inovar e a apreender". Os programas televisivos sobre culinária são os seus preferidos. Por altura do Natal, Manuela Bulhão não tem mãos a medir para dar conta de tantas encomendas que chegam à instituição. "Mas, eu gosto do que faço. Ainda há quem me pergunte porque vou de tão longe, sem ver, para Ponta Delgada trabalhar e que necessidade tenho de sair de casa. Eu nunca me acomodei em casa e enquanto eu puder saio para trabalhar, nem que seja para ser útil a mim mesma", salientou.