Covid-19: Óleos usados transformam-se em sabão para ajudar na luta contra a pandemia

18 de mai. de 2020, 11:19 — AO Online/ Lusa

Fernanda Renée, criadora da Ambirecicla e mentora deste projeto, juntou voluntários e parceiros numa fábrica improvisada no Calemba II, município de Talatona, em Luanda, e propõe-se produzir 70 mil barras de sabão.Para já, foram já entregues cerca de 40 mil barras que, além de contribuírem para mãos mais limpas, ajudam também a eliminar os óleos de cozinha usados de forma não poluente.Quarenta e duas barras de sabão significam que deixaram de ser despejados no ambiente 36 litros de óleo.Fernanda Renée começou a produzir sabão desta forma há 4 anos na sua ‘start up’ que visa o combate à pobreza através da reciclagem e dedicou-se, de forma solidária, a este projeto desde o início do estado de emergência em Angola, há quase 50 dias.“Nesta fase de pandemia deixámos a nossa produção comercial para nos dedicarmos à produção voluntária”, disse à Lusa, sublinhando que um dos métodos de prevenção do coronavírus é precisamente a lavagem das mãos.“No mercado, os preços subiram drasticamente, antes era 500 kwanzas agora está nos 1.800 kwanzas” (0,83 euros e três euros, respetivamente), comenta Fernando Renée.Em consequência, muitas famílias desfavorecidas deixaram de ter acesso a este produto e Fernanda decidiu juntar-se a outros parceiros para produzir e distribuir barras de sabão gratuitamente: “O nosso lema é não deixar ninguém para trás neste surto de pandemia”.Por dia, são produzidas cerca de mil barras, num processo essencialmente artesanal.Numa tina juntam-se a água, o óleo e a soda cáustica - e um pouco de corante azul, que torna o sabão mais ao gosto das mulheres - numa mistura que vai engrossando até ficar uma pasta suficientemente consistente para ser vazada no molde.Aí, a mistura terá de esperar várias horas para endurecer o suficiente e ser cortada em barras.O sabão tem de fazer ainda uma cura de 24 horas, no mínimo, antes de poder ser distribuído.Como os óleos, recolhidos em habitações, restaurantes e centros empresariais, são diferentes, cada barra é única na sua formulação.Por isso, o trabalho de António Quilala, um dos voluntários da Química Verde Lab, que colabora no projeto é essencial para controlar a qualidade da matéria-prima, processo de produção e do produto final.“O que fazemos é definir as proporções da água, do óleo e do hidróxido de sódio em função da qualidade do óleo que recebemos” para assegurar que o produto pode ser usado com segurança, explica.Destaca também o papel do voluntariado em Angola: “É muito importante, na medida em que temos muitas pessoas que não têm condições para garantir a sua própria sustentabilidade. Aqueles que podem fazer algo pelos outros podem mudar a vida das pessoas e dar pelo menos um toque de magia com o seu apoio”.A brasileira Malaquize Bertulucci, que trabalha na área de reciclagem e educação ambiental, ajuda na recolha dos óleos, que traz uma vez por semana, “para que o trabalho não pare”, recolhendo, em média, entre 320 e 340 litros.“Estamos muito empenhados nisto, é uma maneira de evitar a contaminação do solo e estar junto das comunidades num momento tão difícil”, diz a voluntária.Para chegar aos que mais necessitam, Fernanda Renée conta com os levantamentos feitos pelos administradores locais em colaboração com os coordenadores dos bairros.E são muitos os que necessitam, como as 200 famílias de Lalama, uma comunidade remota do município de Icolo Bengo, na província de Luanda.Para chegar a esta comuna, é preciso sair da estrada principal e percorrer cerca de 20 quilómetros de um caminho apropriado para viaturas todo o terreno.Finalmente chega-se a Lalama, um aglomerado de casas feitas de chapa, onde os habitantes não dispõem de água, nem de energia elétrica, nem posto médico, escolas ou transportes, e muitas vezes, nem de alimentos.À alegria inicial da chegada dos visitantes, sucede-se alguma desilusão, quando os moradores percebem que a doação é apenas de barras de sabão.Com as chuvas, os terrenos agrícolas inundaram e passa-se fome, lamentam.Há quem fique satisfeito com o sabão, mas há também quem reclame por que faltam tantas outras coisas e até quem desdenhe da qualidade do sabão. Os voluntários prometem melhorar, enquanto sensibilizam um grupo de crianças atentas para a lavagem das mãosEva João Mateus mostra-se agradecida com as barras de sabão que recebeu e que “é difícil” arranjar nesta altura, mas diz que o que ajudava mesmo “era as lavras [terrenos agrícolas]”“As lavras todas foram com a água. Agora para tirar um cacho de banana para ir no 30 [mercado] comprar uma barra de sabão é muito custoso”, comenta .E desabafa: “Não é só o sabão, ajudem-nos com mais coisas porque nós aqui somos carentes de tudo, é sal, é óleo, é fuba, de tudo estamos a precisar”.Já Paulo Mota diz que o sabão é útil “para ajudar a combater o coronavírus na lavagem das mãos” e mostra-se apenas incomodado com a falta de eletricidade. Já quanto à água, diz que o rio fica “próximo”, no máximo 30 minutos.O coordenador do bairro, Angelino de Castro Júnior, confirma as carências apontadas pela população, incluindo falta de água potável, apelando a mais apoios para os habitantes de Lalama, e explica como tem sensibilizado a população para os perigos da doença.“Faço a comunicação junto à comunidade aqui no nosso jango [ponto de encontro]. Apelo a que cada munícipe lave as mãos com sabão, evitar assistir às novelas, evitar transportar de um lado ao outro: tem de ser do rio a casa, da lavra a casa, e temos de nos distanciar um metro de cada um”.Mas as novelas porquê? “É que as novela junta as pessoas”, justifica. Como o povoado não tem energia, as famílias aglomeram-se para ver televisão nas casas com gerador, o que em tempos de pandemia parece estar mais contraindicado do que a pobreza.A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 313.500 mortos e infetou mais de 4,6 milhões de pessoas em 196 países e territórios.Mais de 1,6 milhões de doentes foram considerados curados.Em África, há 2.735 mortos confirmados, com mais de 82.500 infetados em 54 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia no continente.Angola contabiliza 48 infetados e dois mortos.A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.