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Conversão para produção de leite biológico pode ser “economicamente vantajosa”

António Soares. Depois de vários anos ligado à agropecuária no modo de produção convencional de leite, o produtor, natural da Praia da Vitória, decidiu apostar no modo de produção biológico (MPB), contando atualmente com um efetivo de 42 cabeças de gado



Autor: Joana Medeiros

O que o levou a optar pela produção biológica?
Há sete anos A UNICOL – Cooperativa Agrícola, C.R.L. lançou o desafio do Modo de Produção Biológico (MPB) aos produtores da Terceira, tendo tido a adesão de oito produtores, entre eles eu. Atualmente, somos 12 produtores e estão muitos outros em “modo de conversão”.

Como leio muito e falo com muitas pessoas ligadas ao setor, comecei a aperceber-me que o sistema convencional praticado nas ilhas produtoras de leite, se intensificava de ano para ano, tentando produzir cada vez mais leite por unidade de área para fazer face aos baixos preços pagos pela indústria.

Aumentavam-se os encabeçamentos (n.º Cabeças Normais/ha), as fertilizações, o consumo de alimentos concentrados (“rações”), as áreas de milho forrageiro e continuava-se a apostar em animais de grande produção (Holstein-Frísia) de linhagens americanas e canadianas que, como se sabe, são animais que foram melhorados para estarem estabulados e não em pastoreio, muitíssimo exigentes em termos de alimentação e mais sensíveis em termos sanitários e reprodutivos. Construíram-se muitas estabulações permanentes e tudo isto levou a um grande aumento dos custos de produção e, até, à alteração da nossa paisagem rural.

Concluí, pelas minhas reflexões, que se estava a produzir querendo imitar outros países que são produtores de matérias-primas para o fabrico de rações, coisa que nós não somos, e estávamo-nos a distanciar das orientações da nova Política Agrícola Comum (PAC) que pretende que em 2030, 25% da superfície agrícola esteja em MPB e em 2050, 100%.


Que alterações fez na sua exploração para produzir leite biológico?
As alterações não foram significativas porque, na minha exploração sempre pratiquei o pastoreio e não poderia ter vacas muito grandes e muito pesadas, precisamente para preservar as pastagens. Mas tive, evidentemente, de seguir rigorosamente a legislação. Por exemplo, tive que deixar de usar adubos azotados que não são permitidos na agricultura biológica. Mas as gramíneas precisam de Azoto para poderem crescer.

Então, enriqueci a composição florística das minhas 20 parcelas de pastagem com uma grande variedade de trevos. Estes, estabelecem uma simbiose nas suas raízes com umas bactérias (Rizóbios) que retiram o Azoto que está na atmosfera do solo, fornecem-no às próprias plantas e ainda deixam algum Azoto no solo para as gramíneas (azevéns).

Solucionei assim, a proibição do uso de adubos azotados. No caso do MPB, as composições florísticas com muitas leguminosas (trevos) são absolutamente essenciais por contribuírem para a melhoria ambiental pela anulação da libertação de óxido nitroso dos fertilizantes azotados (“salite”) que tem um “efeito de estufa” muito superior ao Dióxido de Carbono.

Diria ainda que, nos Açores, quer se trate do modo convencional quer seja do biológico, as pastagens ricas em leguminosas são importantes para a diminuição dos custos de produção, tendo também um efeito muito positivo nas performances dos animais.

Alterei também os adubos que usava para a fertilização fosfatada e potássica, passando a usar somente os que são homologados para o MPB. Deixei de utilizar qualquer tipo de fitofármaco, nomeadamente os herbicidas. Para não ter problemas com infestantes, tenho muito cuidado, por um lado, fornecendo os nutrientes necessários às espécies pratenses se desenvolverem convenientemente e, por outro lado, não deixando pisotear a pastagem, o que iria matar plantas e/ou deixar áreas de terra a nu, que seriam portas de entrada para as infestantes.

Dou sempre a área suficiente de pastagem para que, a carga instantânea não seja muito elevada e para que os animais não comam abaixo dos quatro a seis centímetros para que o novo rebrotamento seja mais rápido. Os alimentos concentrados têm que ser fabricados com matérias-primas também elas, produzidas em MPB. A “ração” que uso vem de Espanha. Por estes dois factos, é mais dispendiosa que a normal. Razão pela qual, só forneço 1,5 Kg de ração/vaca/dia.

É uma situação quase impossível de acontecer nas vacarias do Continente e em muitas explorações açorianas que, maioritariamente, apostaram na alta genética produtiva da raça Holstein-Frísia.

Estes animais, altamente produtivos e com necessidades de conservação muito elevadas, mas com uma capacidade de ingestão limitada, por muito boas forragens e pastagens que se lhes forneçam, nunca serão suficientes para a exteriorização do seu potencial produtivo. Têm que consumir obrigatoriamente grandes quantidades de alimentos concentrados, diariamente. Conheço casos nos Açores que chegam aos 14Kg de “ração”/vaca/dia. Ou seja, uma grande parte da produção de leite é feita com produtos importados, contribuindo para uma insustentabilidade económica e “carbónica” cada vez maior.


Qual é o seu efetivo médio anual e que raças privilegia?
Tenho em média 33 vacas, seis novilhas, seis a sete vitelas e um touro Aberdeen Angus. No total, são 42 Cabeças Normais e, como tenho 26 hectares, resulta num encabeçamento de 1,61 Cabeças Normais/ha. Inicialmente, o efetivo era todo Holstein-Frísia, mas de menor porte (vacas menos pesadas) do que as que se veem atualmente, tanto no Continente como nos Açores.

De momento, tenho efetuado cruzamentos com Vermelha Sueca, Jersey e, futuramente, também com a Vermelha Norueguesa. Pretendi, aumentar a fertilidade da manada, aumentar os sólidos do leite e ter animais ainda mais pequenos com menores necessidades de conservação e mais adaptados ao pastoreio e com índices de conversão (erva/leite) superiores.

(…) Pensando no futuro, num novo tipo de leite destinado às pessoas que têm dificuldades na digestão do leite normal, efetuei a genotipagem das minhas vacas para determinar as que possuem os dois genes A2A2 da beta-caseína passando a inseminá-las sempre com touros também portadores destes dois genes para ter a certeza de que a descendência seja homozigótica e, consequentemente, produtora deste tipo de leite.

Espera-se que em 2029 o consumo leite A2A2 mais que quadruplique. Assim, calculo que dentro de três anos, além de produtor de leite biológico seja também, produtor de leite tipo A2A2, que ainda não é comercializado no nosso país tendo como origem a produção nacional.

Pensando também, na eficiência industrial, espero que dentro de poucos anos tenha também toda a manada a produzir K-caseína na sua variante BB. Aumentando a eficiência queijeira em cerca de 10%, é justo que a indústria faça refletir esta eficiência no preço pago ao produtor.


Notou alguma quebra de produção ou repercussões no seu rendimento?
Tive uma quebra na produção de cerca de 25%, mas este decréscimo de receita foi largamente compensado com a diminuição dos encargos com a “ração”, fertilizações azotadas, medicamentos e assistência veterinária, entre outros fatores de produção.

Digamos que este modo de produção se baseia no ditado popular “na poupança é que está o ganho”. Tenho custos de produção baixíssimos, tenho apoios oficiais para este modo de produção e a indústria paga este leite 12 cêntimos acima do convencional. Posso, pois, dizer que a passagem para este “Modo de Produção” me foi economicamente muito vantajosa.


Que argumentos poderia utilizar para incentivar outros produtores a iniciar este modo de produção?
Primeiro, permita-me fazer um breve historial da forma como se chegou à situação atual de excesso de produção e de preços baixos pagos à produção. Nos anos 80, quando se iniciaram as negociações para a nossa integração na Comunidade Económica Europeia (CEE), a nossa produtividade por vaca era menos de metade da média dos países que a constituíam. Como havia um sistema de quotas, achou-se por bem encetar um programa de experimentação e de divulgação para que, aquando da nossa entrada nos fosse atribuída uma quota de produção que não ficasse muito aquém da média europeia. De facto, a estratégia foi muito bem elaborada e, aquando da nossa entrada na CEE, fizemo-lo com uma produção duplicada.

Passaram-se anos de esplendor, com bons preços pagos aos produtores, preços baixos dos fatores de produção e aumentando-se sempre a produção e com muitas ou todas as multas por ultrapassagem da quota perdoadas.

Entretanto a CEE, agora designada União Europeia, resolveu liberalizar o setor leiteiro a partir do dia 1 de abril de 2015. Iniciou-se um novo ciclo. Um ciclo de declínio do rendimento dos produtores açorianos. Muitos países, com maior capacidade tecnológica, maior apoio técnico aos produtores e com terras disponíveis aumentaram muito a sua produção refletindo-se no preço do leite nos Açores.

Entretanto, começaram a elevar-se vozes, na defesa do ambiente, contra as alterações climáticas, contra a falta de biodiversidade, contra a poluição dos solos rios e lagoas, contra a erosão dos solos e na defesa do bem-estar animal. Temos agora uma nova Política Agrícola Comum (PAC), virada para uma agricultura bem diferente, muito menos intensiva. Muitos, continuam a defender que estas alterações nunca chegarão aos Açores, da mesma forma que diziam que a abolição das quotas leiteiras também cá não chegaria.

Respondendo à pergunta, digo que em agricultura e neste caso, como se diz nos Açores, a pecuária, as alterações são naturalmente lentas, como em qualquer parte do mundo.

Para que haja uma evolução gradual e sem sobressaltos, considero que os produtores deveriam, a pouco e pouco, aproximar-se dos grandes objetivos da PAC, uma pecuária mais sustentável e amiga do ambiente. Para isso, deveriam melhorar as suas pastagens com consociações de azevéns e leguminosas (menores ou mesmo nulas fertilizações azotadas), adequar o encabeçamento das suas explorações em conformidade com as disponibilidades pratenses e forrageiras, adaptar o seu efetivo para se tornar mais eficiente no pastoreio (índices de conversão superiores), animais mais pequenos para não danificarem as pastagens e, naturalmente, utilizar ao mínimo e indispensável os alimentos importados.

Resumindo, diminuir a pouco e pouco os encargos das suas explorações, aproximando o seu maneio das condições únicas com que o Criador nos brindou.

Se alguns pensam que esta nova pecuária é um retrocesso, dir-lhes-ia que é um avanço civilizacional que as futuras gerações agradecerão. A par destas medidas ao nível das explorações, impõe-se também, uma nova abordagem da indústria no que respeita aos produtos transformados. Maior diversificação em produtos de maior valor comercial como é o caso do leite A2A2 e respetivos derivados.