Comunidade portuguesa nos Estados Unidos em choque com homicídios
Hoje 14:32
— Nuno Martins Neves
A última semana foi trágica para as comunidades dos estados
norte-americanos de Rhode Island e Massachusetts, com o ataque à
universidade de Brown, que vitimou dois alunos e feriu nove pessoas, e o
assassinato de Nuno Loureiro, físico português que liderava o Centro de
Ciência de Plasma e Fusão do reputado Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT, na sigla inglesa). Os homicídios, já de si
dramáticos, ganharam novos contornos com a revelação, na sexta-feira,
que o português Cláudio Neves Valente, antigo estudante da Brown e
ex-colega de Loureiro no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, seria o
principal suspeito dos crimes. O suspeito acabou por se suicidar, numa
armazém, em New HampshireAs notícias lançaram ondas de choque pelas
comunidades portuguesas, com grande presença nos dois estados, com o
impacto mediático a ter repercussões junto da Administração de Donald
Trump. Duas associações de luso-americanos saíram em defesa
da comunidade, expressando o seu choque pelos horríveis acontecimentos,
mas procurando separar os atos de Cláudio Neves Valente do resto da
comunidade portuguesa.“Lamentamos profundamente a trágica perda dos
estudantes da Universidade Brown, Mukhammad Aziz Umurzokov e Ella Cook,
em Rhode Island, bem como o assassinato sem sentido do Dr. Nuno Loureiro
- um talentoso cientista português, professor profundamente estimado no
MIT e uma fonte de enorme orgulho para a nossa comunidade”, escreve a
PALCUS - Portuguese American Leadership Council of the United States,
uma associação sem fins lucrativos e apartidária. A associação,
presidida por Kathleen Soares, sublinha o impacto que estes atos tiveram
em regiões “onde as comunidades luso-americanas estão profundamente
enraizadas e são, há muito, reconhecidas como parte integrante do tecido
cultural que fortalece e enriquece o “caldeirão” cultural dos Estados
Unidos. Estas comunidades assentam em valores partilhados de trabalho
árduo, respeito mútuo e cuidado uns pelos outros, o que torna estas
perdas ainda mais dolorosas”.A PALCUS assinala que a angústia é
ainda maior por os homicídios terem sido praticados por um cidadão
português e residente permanente legal dos Estados Unidos. “Enquanto
comunidade nacional, não nos identificamos nem compactuamos com estas
ações injustificáveis. A violência, sob qualquer forma, não tem lugar em
nenhuma comunidade”.Por isso, defende, os atos praticados na última
semana por Cláudio Neves Valente “não refletem de forma alguma os
princípios, valores ou o caráter moral da comunidade luso-americana.
Permanecemos unidos na rejeição da violência e reafirmamos o nosso
compromisso com a paz, a compaixão e a união neste momento de dor”.Também
a organização sem fins lucrativos Massachusetts Alliance of Portuguese
Speakers, partilha da visão da PALCUS. Manifestando a tristeza pela
morte das vítimas, agravada por os crimes terem sido praticados por um
imigrante português que vivia nos Estados Unidos há mais de 20 anos. “Embora
haja algum alívio em saber que o autor foi encontrado morto, a
constatação de que tal violência foi cometida por alguém ligado à nossa
comunidade em geral encheu-nos de dor, descrença e angústia”, assinalam.Para
a aliança, os atos não refletem os valores da comunidade portuguesa nos
Estados Unidos da América. “A violência não tem lugar entre nós e não
reflete os valores da comunidade de imigrantes portugueses em
Massachusetts ou em todo o país. A nossa comunidade é definida pela
compaixão, integridade, trabalho árduo e cuidado mútuo, e rejeitamos
qualquer tentativa de nos associar a tal crueldade. Enquanto lamentamos
estas tristes perdas, reconhecemos também o profundo impacto emocional
que tragédias como estas têm em todos nós. A recuperação levará tempo,
mas juntos, enquanto comunidade, iremos continuar a apoiar-nos,
honraremos as vidas que foram perdidas e reafirmaremos o nosso
compromisso com a paz, a unidade e a promessa partilhada do sonho
americano”.Para Francisco Resendes, diretor do jornal Portuguese
Times, os terríveis acontecimentos da última semana não terão impacto na
forma como a sociedade açoriana vê a comunidade portugueses. “É uma
comunidade integrada, participativa no processo político e que tem sido
elogiada a nível municipal e estadual e até a nível nacional. Houve uma
mudança de paradigma: é uma comunidade que já não é a comunidade
imigrante, até porque o fluxo migratório parou. É uma comunidade
participativa: há muitos portugueses lusodescendentes de sucesso, quer
na política, quer na ciência, no ensino, enfim, em várias áreas no
país”.Este prestígio, conquistado por décadas e décadas de trabalho
duro, permitirá que a comunidade não sofra como sofreu em outros tempos,
reconhece o jornalista.“Não vai causar uma imagem negativa, como
causou, por exemplo, o caso Big Dan, em 1980. Aí sentimos na pele a
discriminação, com as pessoas a colar aos portugueses a imagens de
machistas”.O caso, extremamente mediático na altura, diz respeito à
violação da jovem Cheryl Araújo, em 1983, às mãos de quatro portugueses,
no bar Big Dan, na cidade de New Bedford.Para Francisco Resendes,
as repercussões dos homicídios perpetrados por Cláudio Neves Valente
serão ao nível do programa Diversity Visa Loterry, a lotaria dos cartões
verdes que permite atribuição anual de vistos de residência permanente a
cidadãos de países com baixos níveis de imigração para os Estados
Unidos.Foi através de um “green card” que Cláudio NevesValente
recebeu o visto de residência permanente, em 2017, e, à luz dos
acontecimentos da última semana, o presidente dos Estados Unidos da
América, Donald J. Trump, anunciou a suspensão da lotaria. “Já era uma
intenção do presidente, antes deste caso”, assinala o diretor do
Portuguese Times, que perspetiva dificuldades nos vistos para
estudantes.“Haverá um reforço de medidas de segurança também, ao
nível da prevenção, talvez avaliar o background dos estudantes, e
portanto acho que é nessa medida que irá afetar”.