Comunidade portuguesa na Eslovénia teme que forma livre de viver no país possa mudar
UE/Presidência
31 de mai. de 2021, 11:52
— Lusa/AO Online
“É ter medo que isto
mude, porque realmente na Eslovénia viveu-se sempre muito bem, de uma
forma muito livre e culturalmente muito ativa, e é o medo de mudar para
uma coisa que não foi a nossa realidade até agora”, afirmou Gabriela
Droga Mazovec, aos jornalistas portugueses.Gabriela,
que vive na Eslovénia há 20 anos e que é bioquímica na Universidade de
Ljubljana, foi uma das três representantes da comunidade portuguesa que
se encontrou com Marcelo Rebelo de Sousa
no Grand Union Hotel, onde o Presidente se encontra hospedado na capital
eslovena.À saída, qualificou a reunião
como tendo sido “muito interessante”, reveladora de “boa disposição” e
de um “interesse em saber o que se passa” no país. “Houve
uma certa curiosidade sobre a afinidade entre os dois países, a nossa
experiência enquanto portugueses a viver cá, e um panorama da situação
política”, resumiu Eduardo Raon, músico que se encontra na Eslovénia há
10 anos, sobre o encontro que durou cerca de uma hora.Relativamente
à situação política na Eslovénia, os três portugueses referiram que,
tendo em conta que o atual Governo, liderado pelo primeiro-ministro
Janez Janša, tomou posse em março de 2020, coincidindo com o início da
pandemia de covid-19 na Europa, é difícil atribuir as restrições
impostas a uma vontade repressora do Governo. “Mas,
por exemplo, eu vivo no centro da cidade e, às 21h00, havia o recolher
obrigatório e eu ouvia todos os dias um carro da polícia a apitar às
21h05, quer dizer, a recolher alguém que infringiu as regras. E isto deu
um sentimento de estado policial”, disse Gabriela. João
Costa, matemático que trabalha atualmente no Centro Internacional de
Investigação sobre Inteligência Artificial da UNESCO e que se mudou para
a Eslovénia há 12 anos, acrescentou que o Governo “quis mostrar a força
do Estado”. “O próprio perfil que se quer
mostrar é de mostrar a força do Estado para o controlo. Quis-se que
fosse claro, não é uma coisa que algumas pessoas acham e outras não… Há
uma noção de o Estado se querer mostrar forte”, sublinhou. Abordando
assim os protestos contra o Governo que têm ocorrido semanalmente desde
abril de 2020 – na sexta-feira, celebrou-se a 58.ª manifestação – João
Costa disse que “são manifestações pacíficas”, que mostram um caráter do
povo esloveno que aprecia particularmente. “É
um sentimento de ‘nós temos que preservar aquilo que temos, não vão
outros cuidar de nós, temos de ser nós a garantir aquilo que temos’. E
isso é urbano e rural, não há diferença”, explicou o matemático. Eduardo
Raon também notou “um certo despudor na discriminação” da parte deste
Governo, um caso que não “é muito original” e que compara com a Hungria,
e que o deixa pouco otimista relativamente à presidência eslovena do
Conselho da União Europeia, que irá substituir Portugal a partir de 01
de julho. “As recentes intervenções no
Parlamento Europeu [Janez Jansa participou, na quarta-feira, numa
conferência de imprensa] não deixam antever as melhores coisas, mas
esperemos que o respeito pelas instituições, e pelo papel integrador que
cada presidência tem a responsabilidade de ter, prevaleça”, apontou o
músico. Apesar disso, Gabriela considerou
que as cerca de 45 pessoas que compõem a comunidade portuguesa na
Eslovénia, estão “muito bem integradas na sociedade eslovena”, com
casais frequentemente mistos – “um é esloveno, outro português” –, e
gostando todos de viver no país. “O quadro
é de um elevado grau de educação em geral. E nós conhecemo-nos quase
todos, claro. É um quadro muito heterogéneo, mas a nível de atividade
profissional, normalmente ocupam cargos bastante integrados na
comunidade eslovena”, apontou. João Costa,
que mantém também uma revista cultural luso-eslovena intitulada
'Sardinha', comentou ainda que, apesar dos trabalhos atarefados, a
comunidade faz “muitas coisas para puxar a cultura e a língua
portuguesa, integrando todos, não só portugueses, mas portugueses e
eslovenos, no sentido de uma comunidade lusofalante”. “Há
muitos eslovenos a gostarem muito da língua portuguesa e de Portugal
(…) e querem participar, e querem fazer parte dessa comunidade, e não
precisam de um passaporte português para isso: uma pessoa pode sentir-se
portuguesa mesmo não sendo portuguesa”, rematou. Os
três portugueses falavam à Lusa após um encontro com Marcelo Rebelo de
Sousa, que se encontra atualmente numa deslocação oficial de três dias à
Eslovénia, tratando-se do primeiro Presidente da República a visitar o
país desde Jorge Sampaio, em abril de 1999.Inicialmente
prevista para 2020, a visita foi adiada para este ano devido à pandemia
de covid-19, sendo os principais temas da deslocação a relação entre os
dois países e a presidência do Conselho da UE, tendo em conta que a
Eslovénia irá suceder a Portugal em julho.