Como a costura colocou um sorriso na cara de Sasha
5 de dez. de 2022, 11:56
— Nuno Martins Neves
De cabelo branco, cortado rente dos lados, Sasha abana a cabeça ao som
de heavy metal. As mãos seguem o seu ritmo próprio e vão trabalhando
gentilmente o tecido que passa por entre a agulha da máquina de costura.
Na sua cabeça, mil ideias correm: no seu coração, o calor de fazer o
que sempre quis fazer ajuda a esquecer o mundo lá fora. Um mundo que,
sem querer nomear ou sequer falar, é conhecido de todos, desde 24 de
fevereiro deste ano. Filha de Kyiv, capital da Ucrânia, a família
Kosolap chegou aos Açores a 12 de março e foi a primeira família
acolhida na Região. “Trabalhava na construção civil, a colocar
parquet e ladrilhos, tanto na Ucrânia como na Polónia”, conta Sasha ao
Açoriano Oriental. O sorriso na cara é tão natural como a originalidade
que imprime nos trabalhos que tem feito no Centro de Recursos de Apoio à
Emergência Social (CRAES), da Cáritas, a instituição que o acolheu de
braços abertos.É ali, no armazém instalado na Travessa da Rua
Domingos Rebelo Pintor, que Sasha tem dado asas à sua imaginação,
recuperando móveis antigos para autênticas obras de arte. “Aprendi a
costurar aos 6 anos, com a minha mãe. Ensinou-me como se fazia e ao fim
de um mês fiz as minhas primeiras jeans. Só que ficaram muito grandes
(risos)”.“É um artista, tem uma imaginação incrível”, intervém
Susana Raposo, coordenadora do CRAES, ligado à Cáritas da ilha de São
Miguel. A instituição tem feito os possíveis para dar uma vida condigna
a Sasha e à sua família, constituída pela sua mulher, filha de 13 anos e
mãe. Apoiando os Kosolap com o que vão precisando no dia a dia, a
Cáritas foi um “porto seguro” para Sasha poder fazer o que sempre sonhou
fazer. “Para ser sincero, sempre adorei costurar. A minha esposa sempre
falou: Sasha, faça o que quer e não o que não quer. Mas eu sempre
desvalorizei-me e nunca enveredei pela costura. Lamento não ter começado
a fazer isto há 15, 20 anos. Mas sei que nunca é tarde para começar”.E
começou nos Açores, terra que diz, após um longo suspiro, estar a
gostar de viver. “Sempre sonhei viver perto do mar e acho que não vou
viver em local nenhum tão perto como nos Açores. Nós vivemos em Kiyv a
vida toda e lá só tínhamos o rio Dniepre. Mas falávamos muitas vezes em
ir para Odessa, na reforma. Mas nunca pensei que acabaria assim. Açores,
very good. I like Açores”.Para Susana Raposo, a dedicação de Sasha
Kosolap é difícil de colocar em palavras. A coordenadora do CRAES
reconhece que “ninguém se consegue colocar nos sapatos do Sasha”, mas
nunca o viu triste, apesar de saber que “há um mundo que ficou lá”. A
entrega e, principalmente, a criatividade que o refugiado ucraniano
imprime nas peças de mobiliário que faz - e não só, também surpreendeu
os colegas e amigos com um peluche de coelho, primeira “encomenda” que
teve e que esgotou em dias - fazem com que Susana Raposo deseje que
Sasha tenha sorte. “E se não for aqui, que alguém lhe dê um emprego,
porque o que ele faz, faz com qualidade”.