Cientistas confirmam potencial terapêutico de novo composto químico contra doença de Alzheimer
21 de set. de 2024, 10:00
— Lusa/AO Online
"Este
composto é totalmente inovador, pois tem um mecanismo de ação
completamente diferente de outros compostos e medicamentos estudados
para a doença de Alzheimer", sustentou à Lusa a investigadora do
Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa.Testado em ratinhos
que mimetizavam a doença de Alzheimer, o composto de aminoácidos que o
grupo de investigação criou em laboratório e designou de TAT-TrkB
"preveniu a perda de memória e aprendizagem sem demonstração de efeitos
secundários"."A nível molecular foi
possível observar a ausência de alterações que são usualmente
encontradas nos cérebros dos doentes com doença de Alzheimer",
acrescentou Maria José Diógenes, na véspera do Dia Mundial da Pessoa com
Doença de Alzheimer, celebrado anualmente a 21 de setembro. O
trabalho, descrito num artigo publicado recentemente na revista da
especialidade Molecular Therapy e assinado por uma equipa internacional
de cientistas, foi distinguido em 2021 pela Misericórdia de Lisboa com
um dos Prémios Santa Casa de Neurociências.Na
altura, em declarações à Lusa, a investigadora e professora Maria José
Diógenes referiu que se propunha "confirmar o potencial terapêutico de
um composto" criado por uma vasta equipa de investigação num estudo
anterior.O composto foi concebido "para
proteger os efeitos neuroprotetores de uma molécula muito importante
para o cérebro, a BDNF", que "é crucial para os processos de memória e
aprendizagem" e cuja função "está diminuída" nos doentes de Alzheimer
porque "o local onde a molécula se liga para exercer o seu efeito está
destruído". "Ao longo de muitas décadas
investigadores de todo o mundo dedicaram-se a estudar formas de aumentar
a BDNF, contudo não se dedicaram a estudar a fechadura, o recetor",
afirmou agora à Lusa a neurofarmacologista, sublinhando que o novo
composto, TAT-TrkB, "impede a clivagem" do recetor da molécula,
designado de 'TrkB-FL'."Para a BDNF
exercer os seus efeitos é necessário que ative o recetor TrkB-FL, é como
se a BDNF fosse uma chave e o recetor a fechadura. Para que a chave
consiga abrir a porta é necessário que a fechadura esteja intacta",
ilustrou. Na doença de Alzheimer, a
fechadura, o recetor 'TRKB-FL', está partida e "a quebra do recetor
origina dois fragmentos", sendo que "um deles tem a capacidade de por si
só promover a alteração da memória e de alterar o funcionamento dos
genes", explicou a investigadora, cuja equipa analisou anteriormente
amostras "colhidas em autópsias de cérebros de doentes de Alzheimer" e
fez estudos em neurónios (células do sistema nervoso) e em modelos
animais.Na sequência desse trabalho, a
equipa testou a eficácia e a toxicidade do composto em culturas de
células, fatias de cérebro e terminais sinápticos de roedores mortos e
em roedores vivos que mimetizavam a doença de Alzheimer ('versus'
animais saudáveis).Para perceberem as diferenças, os cientistas administraram tanto a ratinhos "doentes" como a ratinhos saudáveis um placebo. A
equipa de Maria José Diógenes verificou que, quando administrado a
roedores que reproduziam a doença de Alzheimer, o novo composto químico
"recupera as ações" da molécula BDNF no cérebro, "por prevenir a
clivagem do recetor TrkB-FL", e "impede a formação de um fragmento
tóxico que tem potencial para propagar a doença".Além
disso, a nova substância "diminui os níveis de Tau hiperfosforilada, um
péptido [composto de aminoácidos] que se acumula no cérebro dos doentes
de Alzheimer e que se julga ser uma das causas da doença", e "impede a
perda de espinhas dendríticas, estruturas que permitem que os neurónios
comuniquem uns com os outros e essenciais para a formação de memória".Ações
que, de acordo com a investigadora, "resultam na melhoria da memória e
aprendizagem de ratinhos modelo da doença de Alzheimer de forma muito
robusta sem aparecimento de efeitos secundários".Até
o novo composto ser testado em humanos, Maria José Diógenes e restante
equipa vão "trabalhar no aperfeiçoamento das vias e formas de
administração" da substância."Estamos
também a estudar outros compostos com uma estrutura química diferente
para aumentar ao máximo a probabilidade de conseguirmos fazer chegar um
composto com este mecanismo de ação a ensaios clínicos", adiantou à
Lusa.