"Cidade infecta", o novo romance de Teresa Veiga que fala de solidão e desamor
24 de ago. de 2020, 13:04
— Lusa/AO Online
“Cidade Infecta”, editado pela Tinta-da-China,
e com chegada às livrarias marcada para dia 28 de setembro, é o mais
recente livro da designada “misteriosa” autora portuguesa Teresa Veiga e
o seu segundo romance, género a que volta 21 anos depois do único que
escrevera, “Paz Doméstica”.Como no
anterior, também em “Cidade Infecta” a autora explora a questão dos
laços familiares, da luta pela manutenção da paz doméstica, ainda que
seja uma paz podre, das complexas relações humanas, sobretudo conjugais,
e volta a ter como protagonistas mulheres, que, à sua maneira, são
personagens fortes.Raquel e Anabela são
duas amigas improváveis, na medida em que nada teriam em comum, a não
ser uma forte determinação em conduzir a vida familiar e a frequência de
um curso de informática.Uma, professora
do ensino secundário, é bonita, vistosa e voluntariosa, a outra,
empregada de uma loja de tecidos, é mais apagada e humilde, e
deslumbrada pela nova amiga, que conhece durante o curso.Apesar
de diametralmente opostos, os seus traços de caráter aproximam-nas uma
da outra, levando-as a perceber que na intimidade pouco diferem: têm
casamentos tumultuosos, com maridos que as tentam oprimir, relações
péssimas com a restante família e vivem numa solidão que só aquela nova
amizade vem colmatar.É a partir dessa
relação que se vai revelando uma vivência íntima semelhante, dominada
por um machismo patriarcal e violência doméstica, a que uma reage com
luta e confronto e a outra com mutismo.A
tensão permanente vivida nos dois lares está patente em várias
situações, como uma em que se descreve que Raquel “percebe que estava
aberto o caminho para o diálogo, ainda que não fosse propriamente um
diálogo mas um dueto de vozes alteradas e desafinadas”.Nessa
luta de emancipação feminina, que garantem com trabalhos que lhes dão
autonomia financeira, com a frequência do curso de informática, e com a
resistência aos avanços dos maridos, as duas amigas insistem, ainda
assim, em manter a relação conjugal e a vida familiar, fazendo levantar a
questão: por que se fica preso a um casamento?Este
aspeto é referido pelo marido de Raquel que a dada altura a acusa de
“espezinhar levianamente o casamento, apesar de ninguém a ter obrigado a
proferir o sim sacramental”.Uma das
razões sugeridas pela história é a manutenção das aparências e o evitar
da maledicência dos vizinhos, o que se pode explicar pela época em que a
história se passa, quando a “supremacia do homem macho” - como refere
Raquel - era um ‘status quo’ e os métodos violentos contra o desrespeito
das mulheres relativamente aceites.Apesar
de o tempo em que se passa a trama não ser definido, várias pistas
colocam-na várias décadas atrás, como a referência à velocidade de 70/80
quilómetros por hora numa viagem de carro, ao dinheiro em escudos, ou a
programas como a telenovela brasileira “O bem-amado” ou “Quando o
telefone toca”, na rádio.A história
passa-se numa pacata cidade do interior, chamada Oliveira, e como pano
de fundo do enredo está o assassínio de uma mulher e um criminoso à
solta, que lançam sobre a localidade, outrora segura e tranquila, o medo
e a suspeição, que leva os moradores a recolherem-se quando cai o
entardecer.O romance “Cidade Infecta” foi
escrito em 2020 e foi inspirado pelo confinamento da autora, embora não
seja sobre essa situação em particular, explicou a editora.No
entanto, algumas passagens parecem aludir a esses tempos, ainda que
metaforicamente, como quando se fala da ânsia com que uma das
personagens esperava a primavera e de repente sentia-se como “capturada
por uma rede invisível, manietada e atirada para um canto, privada para
sempre do verão e da felicidade”; ou, numa referência ao crime que
assolou a cidade, “um sentimento de medo estava a espalhar-se pela
comunidade e a infiltrar-se nos hábitos de cada um”.Numa
outra passagem, um jovem químico alerta para os malefícios do plástico
como “um dos grandes problemas do futuro”, que se manterá “até que surja
uma catástrofe pior e o plástico seja reabilitado”. A cena passa-se
durante uma festa e o jovem acrescenta: "por isso, vamos mas é comer
enquanto podemos com estas belas facas e garfos de níquel a cheirar a
metal”.Cada um dos 14 capítulos do livro
está escrito como um mosaico autónomo, aprofundando uma situação ou uma
personagem e sem ter ligação direta com o capítulo que lhe sucede, mas
no final todos se encaixam, compondo e ligando a história num todo.Teresa
Veiga é uma autora de quem muito pouco se conhece, incluindo o nome
verdadeiro, já que este é o pseudónimo sob o qual se esconde uma
escritora que praticamente não aparece em cerimónias públicas, nem dá
entrevistas, apesar de já ter recebido vários prémios literários, como o
Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco/APE (três vezes) e o
Prémio de Ficção do PEN Clube Português.O
que se sabe é que nasceu em Lisboa, em 1945, licenciou-se em Direito, em
1968, e em Filologia Românica, em 1980, e exerceu a atividade de
Conservadora do Registo Civil entre 1975 e 1983.Essencialmente
contista, Teresa Veiga escreveu ao longo de 40 anos apenas oito livros:
além dos dois romances, é autora de cinco livros de contos – “Jacobo e
outras histórias”, “História da Bela Fria”, “As enganadas”, “Uma
aventura secreta do Marquês de Bradomín” e "Gente melancolicamente
louca" - e um de novelas - “O último amante”.