Chico Buarque cantou "apavorado" e de graça no Avante de 1980
1 de jun. de 2018, 14:33
— Lusa/AO online
"Depois
do concerto, ele reconheceu que foi especial e disse 'Nunca mais se vai
repetir uma coisa destas'. Não sei se foram os astros, houve ali um
clima perfeito naquilo tudo, e o Chico, pela atitude dele, foi
fundamental", contou à Lusa o jornalista António Macedo, que acompanhou o
músico brasileiro nos dias que passou em Portugal, que culminaram no
concerto de encerramento da Festa do Avante, a 13 de julho de 1980.O
concerto, o primeiro de Chico Buarque em Portugal depois do 25 de Abril
de 1974, reuniu uma "embaixada" de músicos brasileiros, com Edu Lobo,
os MPB 4 e Simone, como conta o organizador da festa anual do PCP, Rúben
de Carvalho: "O Chico é um pai de santo, vai toda a gente atrás".Para
o "clima perfeito" terão concorrido o momento histórico, com os
"brasileiros cheios de 'pica'" contra a ainda vigente ditadura militar -
rumo ao movimento "Diretas, já"-, aponta Rúben de Carvalho, a química
entre os músicos gerada numa viagem recente a Angola, ainda muito
presente, e a emoção da morte de Vinicius de Moraes, dias antes do
concerto que se realizou no Alto da Ajuda, então recinto da Festa do
Avante!."A
determinada altura levantava o auscultador do telefone e era do Rio de
Janeiro. Eu só perguntava 'quantos são?' Esteve para vir o Djavan,
também, mas depois não se concretizou. Estava um bocado assustado com o
que aquilo ia custar, mas o Chico não levou nada", recorda Rúben de
Carvalho.O
concerto foi encenado por Ruy Guerra, o cineasta moçambicano que levou o
Cinema Novo para o Brasil, e os ensaios decorreram no antigo edifício
do Teatro Aberto, em Lisboa.António
Macedo assistiu a esses ensaios, passou muito tempo com Chico Buarque,
que estava instalado com a mulher, Marieta Severo, e as filhas, no Hotel
Penta - "só me faltou dormir com ele" -, e acompanhou-o numa visita ao
recinto do Alto da Ajuda, antes do início da Festa do Avante!."Quando
olhou para aquela vastidão de terreno à frente, ele que é um tipo muito
envergonhado, que não gosta de concertos, disse 'Isto é tudo para o
povo?'", conta.Estava "completamente apavorado", recorda António Macedo, que se lembra de lhe ter ouvido um "Eu não canto". Cantou."Transcendeu-se.
Esteve praticamente duas horas em palco", lembra, naquela que António
Macedo escreveu para o jornal Se7e ter sido "a maior plateia" que Chico
jamais tivera pela frente.António
Macedo lembra um alinhamento "em crescendo nas canções políticas": "A
parte final do concerto começa com o 'Apesar de Você', é para aí a sexta
antes do fim, e depois ele começa a ligar isso com Portugal, canta o
'Fado Tropical', estreia a 'Morena de Angola' - é a primeira vez que a
canção é cantada pelo Chico, já era conhecida porque tinha sido cantada
pela Clara Nunes".O
relato do jornal "O Diário" refere também as canções "Geni e o
Zepelim", "A Construção", "Roda Viva", "Cio da Terra", "Cálice", e,
naturalmente, "Tanto Mar".A
canção dedicada ao 25 de Abril é cantada na versão original, nota
António Macedo, que, como muitos dos presentes, vai às lágrimas."Eu
comovo-me com alguma facilidade, mas aquela foi uma comoção que me
levou a um choro convulso. O Carlos Brito e a Zita Seabra [então do PCP]
é que me agarraram e fizeram festas na cabeça, nem a minha mulher teve
mão em mim. O mundo desabou para mim e para aquelas cento e tal mil
pessoas que estavam ali", contou.Rúben de Carvalho corrobora: "Foi a choradeira geral".O
calculo do número de pessoas presentes é dificultado pela forma de
venda das entradas permanentes para a Festa do Avante!, com bilhetes
para os três dias e para os dias concretos, explica Rúben de Carvalho,
que não têm um número redondo para dar.Uma
das presentes foi Maria Flor Pedroso, atual editora de Política da
Antena Um, então uma jovem de 16 anos, que enfrentou "um conflito
familiar" para conseguir ver os seus artistas brasileiros favoritos:
Chico Buarque e Simone."Era impensável não ir", lembra.Na
entrevista que deu a António Macedo, para o Se7e, Chico Buarque
esclareceu o seu estatuto de não-alinhado de esquerda, e que a sua
presença, 'pro bono', não significou "qualquer compromisso com o PCP". "Vim
cantar para o povo português, até porque estou convencido de que as
pessoas que me vão ouvir não são todas militantes desse partido
político", afirmou.O
público português volta a encontrar-se com Chico Buarque, depois dos
últimos concertos em 2006, numa série de seis espetáculos, que arrancam
no sábado no Coliseu do Porto, e terminam com a data extra de 10 de
junho, no Coliseu de Lisboa.