Cerca de 500 presos políticos estiveram detidos em Angra do Heroísmo durante o Estado Novo

30 de set. de 2018, 12:59 — Lusa/Ao online

“Daquilo que nós já apurámos da investigação na Torre do Tombo e noutros locais, passaram cerca de 500 presos políticos, dos quais 40 açorianos e duas mulheres”, adiantou, em declarações à Lusa, César Roussado, dirigente da URAP.A apresentação prévia do livro ‘As prisões políticas de Angra do Heroísmo – Fortaleza de São João Baptista e Forte de São Sebastião (Castelinho)’ decorre esta segunda-feira, nos paços do concelho do município, na ilha Terceira.A ideia de editar um livro que contasse a história dos presos políticos em Angra do Heroísmo surgiu, há três anos, durante uma visita de um grupo de investigadores da URAP à Fortaleza de São João Baptista, onde estiveram também em cativeiro o rei D. Afonso VI e o último imperador do Império de Gaza, atual Moçambique, Gungunhana.A fortaleza, construída pelos espanhóis durante o domínio filipino, foi ainda um campo de concentração para alemães durante a I Guerra Mundial.Entre 1933 e 1943, recebeu alguns dos “mais destacados” dirigentes do movimento sindical da época, como Mário Castelhano, Bento Gonçalves, Sérgio Vilarigues ou Zé Gregório.“O primeiro secretário-geral do partido comunista, Bento Gonçalves, esteve na Fortaleza de São João Baptista, antes de ir para o Tarrafal, onde acabou por morrer”, revelou César Roussado.Entre os primeiros presos políticos a rumar a Angra do Heroísmo terão estado os operários vidreiros da Marinha Grande que se revoltaram em 18 de janeiro de 1934 contra o Estado Novo e as condições de vida da época.Em 1936, a cidade recebeu centenas de marinheiros da Organização Revolucionária da Armada, que tentaram tomar vários navios da Armada Portuguesa.O livro editado pela URAP, com o apoio do município de Angra do Heroísmo, integra uma lista dos presos políticos que passaram pela cidade e descreve o seu quotidiano.“Era horrível. Por qualquer coisinha, os carcereiros castigavam-nos. Eram enviados para o chamado calejão, que era um local onde estavam os cavalos e os próprios cavalos morriam por causa do frio e das águas. E, depois, muitos deles iam para a puterna, onde passavam dias e dias às escuras, com alimentação horrível”, descreveu o dirigente da URAP.Segundo César Roussado, muitos apanhavam doenças durante estes períodos de castigo e acabavam por morrer.“Eles eram isolados completamente quando eram castigados. Iam para a puterna, para o calejão ou para outro lado e ficavam lá às escuras, por qualquer coisinha, ou porque se recusavam comer, ou porque a comida não prestava, ou porque respondiam aos carcereiros... Era uma vida infernal”, sublinhou.O objetivo da apresentação do livro, que vai levar 40 membros da URAP e familiares de presos políticos a Angra do Heroísmo, é homenagear quem esteve detido durante a ditadura e “não deixar esquecer” esse período.César Roussado admite que pouca gente sabe que os castelos que são hoje atrações turísticas em Angra do Heroísmo foram palco de tortura de presos políticos e salienta que é preciso divulgar junto das novas gerações o que se passou no Estado Novo.“Vamos muitas vezes às escolas falar do que foi o fascismo, como surgiu o 25 de abril, das condições da prisão”, frisou.