Censurada obra sobre Tintim por "perverter essência da personagem"

Livros

18 de ago. de 2008, 18:46 — Lusa/AO online

    Trata-se de um volume de ensaios do guionista Antonio Altarriba, intitulado “El Loto Rosa” (Edicions de Ponent) em que este retoma a vida de Tintim - personagem criada em 1929 por Georges Remi (1907-1983), Hergé - 12 anos depois da morte do autor.     Na história, Tintim já tem 30 anos, vida sexual e todo o seu universo sofreu uma reviravolta vertiginosa: o capitão Haddock caiu definitivamente no alcoolismo, o professor Tournesol foi internado num hospital psiquiátrico e Milú, o seu inseparável Fox Terrier branco, morreu.     Além disso, teve de “reciclar” a sua profissão de repórter, tornando-se “paparazzo”.     A obra, publicada no ano passado como uma homenagem a Hergé, no centenário do seu nascimento, reúne cinco ensaios em que se analisa a fundo a personagem, desde a sua história aos recursos narrativos das suas aventuras (ilustrados por Ricard Castells e Hernández Landazábal) e termina, então, com um relato em que Altarriba imagina a vida adulta do rapaz.     “Tornou-se maior e é céptico em relação à sua existência. É um Tintim mais maduro, actual e moderno. Cresceu e manteve relações sexuais”, declarou Altarriba, citado pelo diário espanhol El País.     Esta foi a forma escolhida pelo guionista para abordar duas questões que sempre foram subtraídas à personagem: “A ausência da passagem do tempo - Tintim é sempre adolescente - e a abolição da presença feminina - nas suas aventuras nunca há mulheres”, indicou.     O Tintim de Altarriba “já não é o herói luminoso e solar da sua juventude. É crepuscular, sofreu derrotas e vê que as coisas são difíceis”, sublinhou o ensaísta.     “É como se tivesse aterrado numa realidade mais dura, na qual não triunfam os ideais da sua juventude, mas o dinheiro”, acrescentou.     Esta revisão da personagem num registo adulto não agradou nada à Moulinsart, a sociedade que reúne os herdeiros de Hergé, cujos advogados contactaram em Fevereiro deste ano as Edicions de Ponent para tentar impedir a distribuição do livro, que teve uma tiragem inicial de 1.500 exemplares, pretendendo que a cadeia de lojas FNAC deixasse de vendê-lo.     A editora conseguiu impedi-los, mas em Maio os herdeiros voltaram a insistir, argumentando que, apesar de não haver “crime”, o livro representava uma “perversão” da personagem.     Finalmente, os advogados de ambas as partes assinaram um acordo nos termos do qual a editora se compromete a não reeditar a obra.     Altarriba lamenta que o estrito controlo dos herdeiros impeça que qualquer autor possa rever a personagem.     Segundo o ensaísta, a medida da Moulinsart suscita um debate importante, porque se situa no limite entre “o exercício de um direito legítimo de propriedade intelectual e a censura, na altura de definir o que se pode ou não dizer sobre uma personagem”.