Catarina Ferreira de Almeida e Joel Neto escrevem segunda peça de teatro em confinamento
26 de mar. de 2021, 10:40
— Lusa/AO Online
“A certa altura percebemos que
esta peça de teatro era uma peça sem história, no sentido em que era
sobre a história fora da peça, sobre tudo o que acontece antes de
escrevermos seja o que for, antes de a nossa caneta se encostar à folha
de papel e escrever a primeira frase”, adiantou a escritora, em
declarações à Lusa.“Eu nunca vi um
helicóptero explodir” é o título da segunda peça de teatro de Catarina
Ferreira de Almeida e Joel Neto, levada a cena novamente pela
Narrativensaio, com encenação de Luísa Pinto e com António Durães e
Filipa Guedes nos papéis principais.A peça
tem ante-estreia marcada para este sábado, Dia Mundial do Teatro, no
Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira,
de onde é natural Joel Neto e onde o texto foi escrito.A
primeira peça escrita a quatro mãos pelo casal partiu do livro “A Vida
no Campo”, com o qual Joel Neto venceu o Grande Prémio de Literatura
Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores (APE), em 2019.A
parceria com a Narrativensaio correu bem e decidiram “aceitar o
desafio” de escrever uma segunda peça, desta vez partindo precisamente
da ideia do processo criativo da escrita de uma peça de teatro.“Esta
segunda peça oferece um outro leque de temas, de angústias e de
ponderações, porque é uma peça sobre um casal que decide escrever uma
peça de teatro em conjunto”, revelou Catarina Ferreira de Almeida.O
tema central é “a peça dentro da peça”, mas o texto acaba por se focar
nas “angústias” e “impotências” de um processo criativo a dois e no dia a
dia daquele casal.“Dilui-se, no fundo, no
dia a dia de uma casa no campo, onde trabalham em conjunto, com o ruído
da pandemia ao fundo, dilui-se em todas as pequenas coisas na nossa
vida doméstica, em todos os pequenos despiques, nos desentendimentos
comuns a todos”, contou a escritora.Na
altura, ainda casados, os escritores abordaram também nesta peça o
casamento e a “erosão que ao longo do tempo vai tornando as pessoas
invisíveis”.“Um casamento é o retrato da
nossa luta todos os dias, dos nossos pequenos heroísmos e das nossas
pequenas tragédias para manter vivo um sentimento, que é um sentimento
impossível, se nós todos pensarmos nisto, que é o amor. É um sentimento
muito fugaz e ao mesmo tempo nós queremos que seja muito duradouro”,
salientou Catarina Ferreira de Almeida.O
título da peça é parte de uma citação de John Cassavetes, um realizador
que os dois autores admiram e que defendia precisamente que devia fazer
filmes sobre os problemas de todos os dias e não sobre as grandes
tragédias e histórias de heroísmo que não tinha vivenciado.A pandemia de Covid-19 acabou por marcar também a escrita desta peça, ainda que o casal já vivesse noutro tipo de confinamento.“Uma
ilha já é, de certa forma, uma fatalidade geográfica que obriga os seus
habitantes a um confinamento, a um certo alheamento do resto do mundo”,
explicou a escritora, acrescentando que os dois já trabalhavam
“fechados em casa”, num “duplo confinamento”.Mesmo que nos Açores tenham sentido menos o impacto da covid-19, a pandemia veio forçá-los a isolarem-se mais na ilha.“Quando
deixámos de fazer viagens a Lisboa, isso trouxe o peso da vida igual
todos os dias na ilha e de uma certa monotonia que se instala na vida
das pessoas. É uma coisa que nos afetou como afetou outros casais por
esse mundo fora”, frisou Catarina Ferreira de Almeida.Nos
Açores, há várias semanas que é permitido público em eventos culturais,
com lotação limitada, consoante o nível de risco do concelho.Depois
da ante-estreia em Angra do Heroísmo, a peça segue para Vila Nova de
Famalicão, onde tem estreia marcada para 22 de abril, na Casa das Artes.Para
Catarina Ferreira de Almeida, a cultura deve ser retomada “o mais
depressa possível, porque é importantíssima para a sanidade de todos”.“A
religião é muito importante nas vidas de muitas pessoas, a cultura
também devia ser. A cultura devia ser uma religião e tem de ser uma
religião com muitos crentes e muitos praticantes”, sublinhou.Jornalista e escritor, Joel Neto conta já com mais de uma dezena de títulos publicados, entre crónicas, contos e romances.Catarina
Ferreira de Almeida é tradutora e tem apenas um conto publicado, mas
ganhou o gosto pela escrita e tem já projetos em mãos para 2022.