Catalunha num "'stand by' complicado" cinco anos após declaração de independência
24 de out. de 2022, 12:40
— Lusa/AO Online
Foi a 27 de outubro de 2017 que o parlamento regional aprovou uma
declaração unilateral de independência da Catalunha que levou, no mesmo
dia, à suspensão, pelo Senado espanhol, da autonomia catalã, a que se
seguiu a destituição do governo da região e, mais tarde, a detenção dos
líderes da tentativa separatista.Cinco
anos depois, este mês, os dois partidos protagonistas da tentativa de
2017 - Juntos pela Catalunha (JxCat), do ex-presidente do governo
regional Carles Puigdemont, e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) -
assumiram a rutura, por defenderem caminhos diferentes para a
independência, e o primeiro abandonou a coligação que estava no
executivo.Para o professor de Ciência
Política na Universidade Autónoma de Barcelona, o catalão Oriol
Bartomeus, o movimento independentista da Catalunha "ficou sem objetivo,
sem realmente nada que oferecer aos seus" depois de 2017, havendo
"desorientação e cansaço"."Não se sabe
muito bem qual é a proposta do independentismo, não se sabe muito bem
como vai continuar o independentismo, como será a partir de agora, qual é
o plano. Estamos num 'stand by' complicado", afirmou o politólogo à
Lusa.Em 2017, acrescentou, parece ter
ficado provado que "a saída unilateral não funciona" e a via de negociar
um acordo com o governo central de Espanha, para um referendo, agora
defendida pela ERC, já foi ensaiada no passado, é um "plano que já tinha
sido o plano" e, para boa parte dos independentistas, nunca levou a
lado nenhum.A rutura entre JxCat e ERC
concretizou uma fragmentação que sempre existiu entre os
independentistas que, no entanto, na última década, foram superando
diferenças para unir cada vez mais forças em torno do objetivo da
independência.Outubro de 2022, com a
passagem de um dos maiores partidos independentistas para a oposição a
um governo do outro grande partido independentista (o JxCat tem 32
deputados e a ERC tem 33), é o fim de uma década de união e sinónimo de
uma "mudança radical" ou de "um ponto de inflexão" na política catalã e
do independentismo catalão, segundo os analistas que por estes dias vão
escrevendo colunas de opinião na imprensa regional.Não é, porém, "o fim do problema político", nas palavras de Josep Martí Blanch, colunista do jornal catalão La Vanguardia.Blanch,
antigo jornalista, foi responsável pela comunicação nos dois governos
regionais de Artur Más, que presidiu à extinta Convergência Democrata da
Catalunha (CDC), de ideologia liberal de centro-direita e uma das
forças políticas independentistas que deu origem ao hoje JxCat.Se
a ERC tem duas bandeiras, a do independentismo e a da esquerda, o
JxCat, explicou Blanch à Lusa, só tem a primeira, porque se tornou numa
"amálgama de pessoas de convivência muito difícil", com "tendências
diferentes", ainda hoje "emocionalmente sequestradas por Carles
Puigdemont", fugido à justiça na Bélgica e que se mantém partidário da
confrontação com o Governo espanhol, recusando o diálogo com Madrid por
que aposta a Esquerda Republicana.A
declaração falhada de independência em 2017, que se sabia que não
levaria “a lado nenhum”, fez, para o analista, perder simpatias no
exterior e "o capital político" conseguido com a consulta popular (o
referendo ilegal) de 01 de outubro daquele ano, que deveria ter sido
usado para projetar o futuro e continuar a mobilizar forças. Isso não
aconteceu e, neste contexto, a atual rutura entre os independentistas
era "o caminho natural", defendeu.Assim se
deu a rutura, esta "mudança radical" na política catalã, a que ajudou,
acrescentou Blanch, a covid-19, a inflação, a crise energética ou a
guerra na Ucrânia, que colocaram outros debates, "de tónica de ideologia
clássica", nas prioridades das agendas políticas e das preocupações da
sociedade, retirando peso à questão nacionalista.O
JxCat, sem outra bandeira do que a do independentismo, dificilmente
pode ser visto "como alternativa, por exemplo, na política fiscal, de
segurança, de habitação", afirmou Blanch.Já a ERC, neste momento, está a tentar reafirmar-se como partido de esquerda social-democrata.O
politólogo Oriol Bartomeus diz que o "'stand by' complicado" em que
está a Catalunha é o culminar do "empate" eleitoral de 20 anos entre
duas fações independentistas que hoje protagonizam ERC e JxCat e
considera que "enquanto continuarem empatados, não se avançará em nenhum
sentido".O "cansaço" do eleitorado
materializou-se nas últimas eleições regionais, em fevereiro de 2021, na
perda de 700 mil votos por parte dos partidos independentistas. Mas o
empate manteve-se.Para Josep Martí Blanch,
a ERC está "a tirar melhor a temperatura aos cidadãos de filiação
independentista" e é "muito possível" que nas próximas eleições aumente a
diferença entre os dois partidos, com o JxCat a perder terreno. Assim
se acabaria o empate.Mas para este
analista, quem está a ganhar e tem ganhado mais é aquele que já foi o
vencedor das últimas eleições regionais, o partido socialista (que
elegeu os mesmos 33 deputados dos republicanos) e o seu líder na
Catalunha, Salvador Illa, que "entendeu que o grande momento de divisão
entre catalães foi em 2017 e que isso passou".Illa
percebeu também, diz Josep Martí Blanch, que para conquistar terreno no
"campo Constitucionalista" (da integração com Espanha), é preciso
"arrefecer" a tensão, "naturalizar o independentismo como ator politico
que veio para ficar, procurar espaços de conciliação e esperar que as
coisas passem".Oriol Bartomeus acrescenta
que do lado de Madrid e do governo de Pedro Sánchez, no poder desde
2018, os socialistas "tentaram dissolver o conflito, sem obviamente
transigir nas reivindicações independentistas", e com indultos aos
independentistas presos desde 2017 desbloquearam “uma possível
normalização da situação na Catalunha"."Hoje
há conversações, uma mesa de diálogo", sendo que o plano do partido
socialista espanhol (PSOE), diz o investigador, não passa por autorizar
um referendo, como quer a ERC, mas pelo "regresso a uma situação de
normalidade institucional, isto é, dizer que há [na Catalunha] um
governo de uma autonomia, com o qual se podem tratar temas normais,
financiamento, infraestruturas, o normal que se trata com um governo
autonómico".A legislatura tem quatro anos,
mas ninguém parece acreditar hoje que a ERC resista tanto tempo a
governar só com 33 dos 135 deputados regionais. Só
o próprio presidente catalão, Pere Aragonés, pode dissolver a
assembleia e uma moção de censura para o derrubar obrigaria a unir uma
oposição demasiado diversa, entre independentistas, extrema-direita e
direita espanhola, socialistas e extrema-esquerda.Em
2023, há eleições municipais em maio, que servirão para medir forças de
cada partido no terreno, e legislativas em Espanha no final do ano, que
ditarão aquilo com que a ERC e os independentistas poderão contar no
Governo central. A história destes dez
anos diz que com a direita não há possibilidade de diálogo, mas que a
tensão com Madrid dá força ao independentismo.Segundo
uma sondagem do Centro de Estudos de Opinião da Catalunha, em julho,
52% dos catalães era contra a independência, a percentagem mais elevada
desde 2015.